O PS precisa de juízo

Ganhar as eleições autárquicas e disputar as presidenciais é, portanto, a urgência que se nos depara. E, para isso, mais do que pedir ao que sobra da direção do partido que tenha a prudência de não nos fazer entristecer ainda mais, importa que alguns dos cérebros que acompanharam Pedro Nuno se afastem do campo de batalha.

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  • 12:20 | Segunda-feira, 19 de Maio de 2025
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Pedro Nuno Santos, na sequência dos resultados das eleições de ontem, decidiu demitir-se da liderança do PS. Entendeu, bem, que tinha deixado de ter condições políticas para poder liderar o partido num período em que é necessário garantir uma estabilidade mínima e construir uma alternativa sólida, não sectária e aberta à sociedade portuguesa.

Há mais de três décadas que não assistíamos a uma impreparação tão grande de umas eleições. Um qualquer líder do PS, a partir do momento em que inicia funções, terá de ter um programa credível para o país e um conjunto de três ou mais pessoas fiáveis para cada função ministerial. Ora, passado que está mais de um ano desde a demissão de António Costa, o PS não tinha um programa transformador para o país, nem um governo preparado.

A pergunta que mais se ouvia ontem era simples – por que seguiu o PS uma estratégia que, não demonstrando unicamente as suas fragilidades, levou a uma nova derrota e a uma posição muito preocupante da ultradireita? A resposta só se pode encaminhar para duas razões: uma visão deslocada da realidade política e um desconhecimento do país real. A direção do PS esqueceu uma regra básica – temos de governar o país como ele é e não como gostaríamos que ele fosse.

Resolvidas as eleições, garantindo a AD uma vitória que lhe vai possibilitar governar por mais uns anos, ficando o PS numa situação muito preocupante, havendo necessidade de se preparar o futuro, que caminho deve seguir o PS?


O primeiro passo é não entrar em eleições internas desviando as atenções e as energias das eleições autárquicas. Devemos permitir que os candidatos do PS, a cada um dos concelhos, descolem do resultado de ontem e assumam, cada um, o “seu” PS. Isto quer dizer que os punhos no ar, a dicotomia entre esquerda e direita no discurso, a separação entre nós e eles, as opções ideológicas “peronistas”, a negação de uma mensagem clara para todos, mesmo todos, terão de ser passado. Os candidatos do PS devem falar para o global, receber os votos de quem quer uma política de justiça social e de modernização dos territórios, de crescimento e de segurança. Devem ser, antes de tudo, a representação dos anseios das populações e devem usar a proximidade e a empatia (não proclamada, mas praticada) como marcas. Em suma, regressar à moderação e à concórdia.

Ora, para que isto possa acontecer, as amizades e o passado de cumplicidades não podem implicar na campanha autárquica, o Largo do Rato deve ficar longe de cada concelho e de cada candidato.

Entre as legislativas e as autárquicas haverá que decidir o apoio a um candidato às presidenciais. Ora, tratando-se de um processo que não pode ser implicado pelas legislativas e terá que defender o espaço do PS e a sua importância eleitoral, é relevante que tenhamos prudência, capacidade de cerzir os dois campos que parecem já estar em jogo e levar a que o espaço do centro-esquerda possa discutir as eleições.

Para que este processo seja bem conduzido, só o presidente do partido, em conjunto com um grupo de pessoas das várias sensibilidades, pode garantir que não haverá um novo cisma. É, aliás, ao presidente do partido que se pede a liderança deste período transitório.

Ganhar as eleições autárquicas e disputar as presidenciais é, portanto, a urgência que se nos depara. E, para isso, mais do que pedir ao que sobra da direção do partido que tenha a prudência de não nos fazer entristecer ainda mais, importa que alguns dos cérebros que acompanharam Pedro Nuno se afastem do campo de batalha.

Na primavera do próximo ano, os socialistas serão chamados a um novo congresso. E nessa altura devem ser convocados, também, para a escolha de um novo líder.

Poderá haver resistência, até porque alguns dos dirigentes atuais não sobreviverão sem Pedro Nuno. Mas o que importa é a recuperação do património do PS, reconstruir a relação com uma parte muito significativa do povo português, falar para todos, em especial os jovens e as forças mais dinâmicas da sociedade. E, tal como em 1992, os autarcas, que são hoje o nosso melhor ativo, vão ter um papel cimeiro na nova política que temos de construir.

O PS deve ter presente que estamos num tempo de medos, que vivemos num mundo cada vez mais urbano, que é mais relevante a palavra no seu momento certo do que a excitação provocada pela respiração interna ou a resposta à blague do dia.

O PS não pode ter um discurso que seja, na forma e no conteúdo, parecido com os partidos à sua esquerda. Deve continuar como grande partido português, a ser a casa aberta que recebe socialistas, sociais democratas, sociais liberais e até democratas cristãos. Deve, ainda, fomentar a reorganização na esquerda da esquerda, no sentido de que esta encontre uma solução única, não caudilhista nem passadista, que possa permitir, no futuro, soluções de governo progressistas, humanistas e profundamente conectadas com o povo português.

Os socialistas devem poder escolher como líder quem garanta o legado, quem conheça o partido no território, quem tenha, no seu universo de amizades, gente de outros lados e com diversas atividades e quem tenha capacidade para aprender. Em suma, quem possa dar um novo tempo à cadeira de líder do PS.

A pergunta virá de imediato – e há alguém com esse perfil? Claro que há e não são poucos.

Pedro Nuno continua a ser um político cheio de qualidades. O tempo que vivemos e a estrutura que montou não lhe foram benfazejos. Continuamos a gostar dele como pessoa e como amigo, mas temos de seguir em frente. O país não nos perdoaria se não o fizéssemos.

 

Ascenso Simões

Gestor e ex-Membro do XVII Governo Constitucional

 

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Publicado em Opinião