O programa E‑Lar soma já 228 reclamações no Portal da Queixa, das quais 67,5% foram registadas em outubro, sobretudo contra o Ministério do Ambiente e Energia e grandes retalhistas como a Worten e a Rádio Popular. Falhas nos benefícios, problemas técnicos, custos inesperados e dificuldades operacionais nas lojas motivaram a insatisfação dos beneficiários na primeira fase do programa. A segunda fase reabre no dia 11 de dezembro.
Numa altura em que a segunda fase de candidaturas do Programa E-Lar – lançado pelo Governo para apoiar a substituição de equipamentos a gás por soluções elétricas mais eficientes – reabre a 11 de dezembro, o Portal da Queixa analisou os maiores desafios que os consumidores enfrentam durante o processo, desde a candidatura até à compra dos equipamentos em loja. O volume e a natureza das reclamações registadas pelos beneficiários mostram que, apesar do potencial positivo do programa, a implementação enfrenta falhas significativas.
De acordo com os dados analisados, o Portal da Queixa recebeu 228 reclamações sobre o E-Lar, das quais 154 (67,54%) ocorreram apenas no passado mês de outubro, refletindo a pressão e as dificuldades sentidas pelos beneficiários durante o pico do processo relativo à primeira fase.
Motivos das reclamações: onde o programa está a falhar
A análise ao programa revela que as reclamações dos beneficiários se concentram sobretudo em cinco grandes áreas de falha. Os problemas com benefícios e apoios, que representam 25% do total, são os mais frequentes, seguidos de perto pelos problemas técnicos e de sistema, responsáveis por 23,25% das ocorrências. Também os erros administrativos e processuais e as deficiências na qualidade do serviço têm um peso significativo, cada um com 19,74% das reclamações. As questões legais e de conformidade somam 10,53%, enquanto as questões ambientais e de sustentabilidade surgem apenas em 1,75% dos casos.
No conjunto, estas falhas traduzem-se em dificuldades no acesso aos apoios, erros nas candidaturas, falhas na plataforma eletrónica, falta de transparência, atrasos na análise dos processos e problemas na execução dos serviços associados aos vouchers — desde instalações incompletas até custos adicionais inesperados.
Casos frequentes: recusas de candidaturas por verificação de NIF
Um dos problemas mais recorrentes está relacionado com recusas de candidaturas devido à verificação do NIF, um padrão confirmado pelo Portal da Queixa. São frequentes os relatos de beneficiários informados de que “o NIF preenchido não é titular de um contrato de eletricidade”, mesmo quando apresentam documentação válida. Também surgem situações em que o sistema indica que “beneficiário de tarifa social – não existe”, impedindo a aprovação, bem como processos recusados apesar de o utilizador garantir possuir um contrato ativo associado ao seu NIF. Este conjunto de queixas aponta para incoerências nos procedimentos automáticos de validação.
Vouchers atribuídos, problemas multiplicados: custos extra, limitações e falhas no atendimento
Mesmo entre os beneficiários já aprovados e com voucher emitido, os problemas persistem — e, por vezes, agravam-se — sobretudo nas lojas aderentes. Multiplicam-se relatos de custos adicionais inesperados, incluindo cobranças entre 50€ e 100€ pela instalação, taxas de deslocação não comunicadas, pedidos de 80€ pela recolha de equipamentos antigos e ainda a necessidade de corte de bancadas ou mármores, gerando custos surpreendentes. Para muitos consumidores, estes encargos extra acabam por anular quase por completo o valor do apoio.
Há também indícios de limitação ou discriminação na escolha de equipamentos: casos em que modelos mais económicos surgem “esgotados para clientes E-Lar”, embora disponíveis para clientes regulares, propostas focadas em equipamentos mais caros e falta de informação clara sobre serviços obrigatórios ou opcionais. Paralelamente, acumulam-se queixas de atrasos e falhas no atendimento, com agendamentos que não são cumpridos, processos que ficam sem contacto durante semanas, ausência de resposta por parte das lojas e da assistência técnica, e até instalações incompletas que deixam consumidores — incluindo idosos — vários dias sem fogão funcional.
Marcas e entidades mais visadas
As reclamações agrupam-se sobretudo em torno de organismos públicos e retalhistas aderentes ao programa. O Ministério do Ambiente e Energia concentra a maioria das queixas, reunindo 60,09% do total. Entre os retalhistas, a Worten destaca-se com 21,93%, seguida pela Radio Popular, que regista 7,02% das ocorrências. Também a Agência para o Clima (2,63%), a Castro Electrónica (2,19%) e a Leroy Merlin (1,75%) surgem entre as entidades mais mencionadas. Em menor expressão, mas ainda assim relevantes no panorama das reclamações, surgem o Governo de Portugal e a DGEG, ambos com 1,32%, bem como a Agência Portuguesa do Ambiente e a Segurança Social, cada uma com 0,44% das queixas registadas.
A concentração de queixas no Ministério do Ambiente e Energia revela sobretudo problemas com validações de NIF, recusas inesperadas de candidaturas e falhas no sistema de verificação — situações confirmadas pelos testemunhos recolhidos no Portal da Queixa.
Perfil dos consumidores afetados
A análise demográfica das reclamações mostra maior incidência na Área Metropolitana de Lisboa (29,82%) e no distrito do Porto (14,47%), seguindo‑se Aveiro e Setúbal (9,65% cada), Braga (6,14%), Coimbra (5,70%), Faro (4,82%), Santarém e Viseu (3,95% cada) e Leiria (2,63%). Estes valores indicam que os problemas reportados são transversais ao território, com maior peso nas zonas mais populosas e com maior concentração de potenciais beneficiários.
Em termos de género, 58,33% das reclamações são apresentadas por homens e 41,67% por mulheres. A distribuição etária evidencia forte impacto nas faixas 35‑44 anos (29,82%) e 45‑54 anos (30,70%), seguidas de 55‑64 anos (14,04%) e 65 ou mais (11,84%), o que sugere que o programa mobiliza sobretudo famílias em idade ativa, com maior peso na gestão doméstica e na procura de eficiência energética.
Para Pedro Lourenço, Fundador do Portal da Queixa by Consumers Trust: “A pressão gerada pelo programa E-Lar demonstra uma falha estrutural: a promessa de apoio não está alinhada com a capacidade real de execução. A maioria das reclamações não denuncia apenas erros pontuais, mas sim um sistema sobrecarregado, falta de articulação entre entidades públicas e lojas aderentes e um processo que, na prática, tem colocado os consumidores numa rota de obstáculos.” E defende: “Com a segunda fase prestes a iniciar, os dados sublinham a urgência de reforçar a capacidade de resposta das entidades envolvidas e garantir comunicação transparente para evitar a repetição dos problemas registados na primeira fase.”