Como a Maçonaria pretende mudar o país para melhor ou pior

A Maçonaria “não pretende continuar a ser uma sociedade com características secretas”.

Pedro Morgado Infografia Paulo Neto

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  • 14:00 | Quarta-feira, 22 de Junho de 2016
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A Maçonaria “não pretende continuar a ser uma sociedade com características secretas”. A declaração é de Amadeu Carvalho Homem, investigador, historiador e professor catedrático que em 2004 recebeu das mãos do então Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, no dia em que o Museu Maçónico Português levou a cabo no Auditório Mirita Casimiro, em Viseu, a conferência “A Partilha de África, o 31 de Janeiro de 1891 e a Maçonaria em Portugal”.

Apostado em contrariar muitos dos fantasmas com que esta obediência tem ciclicamente que lidar desde as “fogueiras inquisitoriais”, Carvalho Homem deixou as pinças em casa e assumiu-se, “na sua terra”, como alguém que “com orgulho” pertence ao Grande Oriente Lusitano (GOL).

“Dentro da Maçonaria existe a possibilidade de se optar por dois caminhos distintos. Uma pessoa pode reservar a sua condição maçónica e não a revelar a ninguém ou há quem, como eu, assuma claramente esta condição. Eu pertenço à Maçonaria portuguesa”, revelou o professor.


Convidado a partilhar as suas interpretações sobre os dois grandes momentos históricos que marcaram a vida do país: a partilha de África e o 31 de Janeiro de 1891, o investigador foi objetivo na hora de desmistificar a gravidade da crise com que somos confrontados e que, segundo ele, muitos dos poderes instalados teimam em enfatizar.

“Esta crise é extremamente grave mas não é a crise mais temerosa por que passou Portugal”

“É um perfeito disparate histórico dizer-se que esta é a mais temerosa crise de todos os tempos. Efetivamente, esta crise é extremamente grave mas não é a crise mais temerosa por que passou Portugal”, defendeu.

Navegando com mestria por entre o triângulo temático que constituía a agenda desta conferência o tom de Carvalho Homem endureceu, aqui e ali, quando o paralelismo entre o passado e o presente recente se tornou por demais evidente. A verdade é que muitas das “histórias que se viveram em Portugal ciclicamente se repetem, noutra circunstância, noutro tempo e noutro contexto” terminam sempre da mesma maneira: “um país ajoelhado” perante os “grandes interesses”.

Apesar do contexto naquele pequeno mundo fechado se debruçar, sobretudo, sobre o modo como as debilidades económicas deste “pátrio torrão” condicionaram a história do país enquanto nação, Carvalho Homem “esforçou-se” em muitos momentos para que os presentes “vissem” o que se esconde atrás da cortina desconstruindo mitos e desfazendo convicções. Além de explicar o modo como a maçonaria fez o seu percurso nestes momentos difíceis, aludindo ao papel determinante que esta teve no rumo das coisas, o investigador revelou de forma precisa a obrigação principal de qualquer maçon nos dias de hoje negando veementemente a existência de quaisquer “tensões” contra a Igreja no seio desta obediência.

“A Maçonaria serve para discutir problemas e o maçónico tem fundamentalmente uma obrigação, uma obrigação determinante, quer o maçónico homem quer o maçónico mulher, uma vez que já existe Maçonaria feminina – a obrigação determinante, o compromisso de se bater intransigentemente contra todas as formas opressivas e preconceituosas da vida social. A Maçonaria não tem um litígio a resolver com a Igreja Católica. A Maçonaria assume e incorpora qualquer individualidade que se apresente como católica”, disse.

Contudo foi a “visão” que a Maçonaria tem do seu papel no mundo de hoje que, pelo enumerar de aspirações e de tudo o aquilo que quer ver cumprido no futuro, suscitou mais curiosidade ao auditório.

“Nós maçónicos pretendemos ser uma elite intelectual e não fazemos segredo disso. Muito menos temos medo da palavra elite. Nós pretendemos ser uma elite intelectual ao serviço do futuro de Portugal e, sobretudo, ao serviço do povo português na sua dignidade integral. E, disso, ninguém nos vai demover”, reiterou o professor.

“Nós maçónicos pretendemos ser uma elite intelectual e não fazemos segredo disso. Muito menos temos medo da palavra elite. Nós pretendemos ser uma elite intelectual ao serviço do futuro de Portugal.”

E a verdade é que, não se furtando às questões polémicas como é exemplo o envolvimento na maçonaria de Miguel Relvas – o maçon n.º 2400 do Grande Oriente Lusitano (GOL), Carvalho Homem reiterou a sua preocupação com os riscos a que o país está exposto e que decorrem, na sua opinião, desta “última deriva política”, entenda-se, da falta de rumo e de preparação dos últimos executivos governamentais que conduziram o país ao estado que conhecemos hoje.

“Nós, na Maçonaria, não temos nenhuma culpa que Miguel Relvas lá esteja. […] A partir de um determinado momento não foi necessário o crédito indispensável de conhecimento e de experiência profissional para alguém começar a fazer “experiencialismo” político. Houve jovenzinhos que saíram das universidades, com os cueiros colados ao rabo, que entraram imediatamente na chamada vida política. Não sabem coisíssima nenhuma. Não sabem nada de nada. No entanto, essa gente, como apaniguados do aparelho de Estado, como conselheiros ou técnicos associados a determinados ministros ou a determinadas secretarias de Estado, ganham pequenas fortunas”, explicou.

Mas, é simplista entender as preocupações expressas por Carvalho Homem como apenas um “grito” isolado de alguém que tenta rumar contra a maré. O ciclo de conferências “Novos Paradigmas”, que já esteve no Porto e em Leiria e que ruma agora a Coimbra e Évora, pode e deve ser percebido como uma resposta ao repto lançado pelo escritor António Arnaut, antigo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), que em novembro último exortou a Maçonaria a rejeitar o “capitalismo opressivo” em Portugal sob pena de ser ela própria “cúmplice do drama social que estamos a viver”.

Em Viseu, ao Rua Direita, Amadeu Carvalho Homem afinou pelo mesmo diapasão e, salientando a luta levada a cabo pela Maçonaria em prol da “equidade, da verdade e dos valores”, disse sentir a ameaça no ar ao mesmo tempo que deixou um apelo para que todos aqueles que se identificassem com este ideário seguissem as suas pisadas em direção à “luz”.
“Hoje, estes valores estão em perigo: a equidade cada vez existe menos, a verdade é vista apenas como um subproduto da manipulação exercida muitas vezes pelos órgãos de comunicação social, sendo notório o desaparecimento de valores que, no seio da unidade fundamental, merecem ser preservados. Noto, como exemplo, aquela que considero primordial: a família. Apesar de estarem salvaguardadas, pelo menos por enquanto, as liberdades públicas fundamentais a Maçonaria está interessada em se divulgar. Em se apresentar, em dizer ao que vem, em falar concretamente do seu ideário tendo como meta alcançar dois objetivos essenciais: numa primeira fase apagar de vez a ideia demoníaca que se gerou e que foi alimentada por poderes obscuros em torno da Maçonaria. A Maçonaria é uma organização, uma associação, como outra qualquer que tem as suas finalidades próprias e que, portanto, não se está de modo algum ligada a qualquer força ou poder maléfico. Por outro lado para que, as pessoas sabendo exatamente em que é que consiste a Maçonaria, ponderem sobre se devem ou não juntar-se a nós”, frisou.

A Maçonaria é uma organização, uma associação, como outra qualquer que tem as suas finalidades próprias e que, portanto, não se está de modo algum ligada a qualquer força ou poder maléfico.

“Seja qual seja a campanha ninguém, mas rigorosamente ninguém, nos demoverá a entregar os pontos relativamente à tarefa fundamental que nos incumbe que é a de contribuirmos infinitesimamente que seja, nos limites da nossa soberania de pensamento e de ação, para que um dia Portugal possa ser muito melhor do que aquilo que é”, concluiu.

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