A turistificação da cultura

Em traços gerais, estamos perante pouco mais do que um slogan, vazio; um autocolante para a lapela vaidosa da vereação da Cultura do Município; um cromo para a caderneta dos anos temáticos; mais um logótipo nos cartazes das acções culturais que aconteceriam de qualquer forma. Feitas as contas, para encontrar algum fundamento para a designação de “Ano do Cinema”, talvez, quanto muito, se possa reconhecer que a vereação terá interpretado demasiadamente à letra a ideia de que o cinema é uma arte de “falsificação” e “fingimento”. Luz, câmara, repetição.

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  • 23:33 | Segunda-feira, 21 de Dezembro de 2020
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À entrada do ano de 2020, a Câmara Municipal de Viseu vendia um “postal da cidade” onde se lia: “Em 2020, Viseu vai sentir o cinema e a fotografia como nunca! Vamos receber o maior festival de cinema de turismo da Europa, o ART&TUR, e proporcionar incríveis experiências cinematográficas e fotográficas para todos. Convidamo-lo, mais uma vez, a visitar Viseu no novo ano. LUZ, C MARA, #VISITVISEU!”

Aproximamo-nos agora do ano de 2021 e o que dizer do ano do cinema e da fotografia em 2020 em Viseu? O que trouxe este mote do cinema e da fotografia aos viseenses e à cidade?

Em traços gerais, estamos perante pouco mais do que um slogan, vazio; um autocolante para a lapela vaidosa da vereação da Cultura do Município; um cromo para a caderneta dos anos temáticos; mais um logótipo nos cartazes das acções culturais que aconteceriam de qualquer forma. Feitas as contas, para encontrar algum fundamento para a designação de “Ano do Cinema”, talvez, quanto muito, se possa reconhecer que a vereação terá interpretado demasiadamente à letra a ideia de que o cinema é uma arte de “falsificação” e “fingimento”. Luz, câmara, repetição.


O que não podemos reconhecer, decididamente, é qualquer tipo de sensibilidade especial do Município para o cinema e a fotografia no contexto deste plano de ação. Tratou-se, como das outras vezes, de um pretexto para políticas de turismo. Uma vez que a vereação tutela áreas tão delicadas e distintas, com meios e fins diferenciados e a necessidade de abordagens diferenciadas, este plano de acção confirma a suspeita de que a inclusão da palavra ‘cultura’ no nome da vereação se trata apenas de uma capa moralista para um gabinete de “marketing territorial” – áreas que podem criar sinergias pontuais, mas que não permitimos que se confundam. Senão vejamos:

O que tivemos então de cinema em 2020?
“VISEU 2020. Luz, Câmara, Ação” uma ideia pouco plural e diversificada das áreas de especialidade, no caso do cinema, com uma visão muito centrada na produção comercial, vincadamente hollywoodesca.
Um cinema Drive In no local da feira semanal muito pouco inclusivo, dado o preço de entrada que era cobrado.
O Art&Tur – Festival Internacional de Cinema de Turismo, que a Câmara tanto se orgulhou de ter trazido a Viseu. O que demonstra claramente que a ideia de cinema para este executivo é o de turismo, comércio, “filme postal”.

O que podia ter sido feito?
Inúmeras extensões, parcerias, com festivais de cinema nacionais e até internacionais para trazerem a sua programação de filmes e estreias para Viseu.
Um investimento sério na educação para o cinema, na construção do olhar cinematográfico. Formação de novos públicos.
Uma aposta no Plano Nacional de Cinema (PNC) que permitisse que as escolas da região desenvolvessem o PNC para a formação escolar e divulgação de obras cinematográficas nacionais.
Uma maior parceria com o Cine Clube de Viseu que tem sido há mais de 60 anos a instituição que mais tem trabalhado para a promoção e educação do cinema na região. O Cine Clube de Viseu poderia ter sido o principal parceiro e mentor do programa de cinema, visto ter conhecimento para o fazer.
O Cinema Ícaro continua esquecido e ignorado pelo atual executivo que voltou a desperdiçar a oportunidade de ocupar, recuperar e devolver esta magnífica sala de cinema à cidade. Um auditório com 170 lugares em pleno centro da cidade que poderia servir a cidade para múltiplas iniciativas, quer da Câmara, quer das associações culturais. As portas do Ícaro fechadas à cidade e à cultura são o reflexo da deficiente política cultural deste executivo, que não compreende a importância de um espaço como é a sala de cinema e o que nela se pode fazer a médio e longo prazo, para a formação de públicos e educação de seres criativos e críticos.
Promoção do cinema nacional em circuito pelo distrito, com debates, exposições, nas ruas ou nas escolas.
Criação de curtas-metragens que fossem filmadas no distrito de forma a desenvolver o cinema nacional, os seus técnicos e artistas.

A cultura em Viseu é bastante deficiente. Não há uma ideia de cinema, muito menos de cultura em Viseu. Não há políticas culturais a médio e longo prazo. Há sim uma política de eventos, com visão para vender “filmes postais” da cidade. Ou seja, quer-se turistificar o cinema, a cultura. Não há uma preocupação, urgência, em formar novos públicos e que estes sejam seres críticos. A programação do “VISEU 2020. Luz, Câmara, Ação” é tudo menos cuidada, inclusiva, criativa e séria. O ano de 2020 chega agora ao fim e é lamentável que nada se tenha feito pelo cinema na região.

De 0 a 5 a classificação a este filme é 0, péssimo.

 

A Comissão Coordenadora Concelhia de Viseu do Bloco de Esquerda

 

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