Um orçamento que não serve os portugueses

O governo não gastou um cêntimo dos 4,5 mil milhões de euros que o Orçamento Suplementar autorizou a acrescentar à despesa orçamental de 2020. A despesa total executada em 2020 ficou 223 milhões abaixo do orçamentado inicialmente.

  • 18:55 | Quarta-feira, 04 de Novembro de 2020
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Vivemos tempos únicos e difíceis que exigem medidas firmes para reforçar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), tão depauperado pelos governos da direita e até do PS (conforme reconheceu o próprio António Arnault), defender o emprego, proteger os desempregados,os trabalhadores precários e os mais pobres, salvaguardar os interesses nacionais face à rapina do fundo abutre da Lone Star no Novo Banco, fazendo sujeitar a injecção de mais fundos por parte do Estado (com o nosso dinheiro, que não só o dos restantes bancos) da prévia realização de uma auditoria à sua gestão (o que não viola as cláusulas abusivas assinadas pelo governo de Passos e Portas, ao contário do que diz o governo).

Acontece que o governo apresentou um Orçamento com um conjunto de medidas para combater a crise em 2021 no valor de 1.947 milhões de euros, mas contando com as que já vinham no orçamento de 2020 e que não foram executadas, o saldo das novas medidas não passa de 499milhões de euros, o que fica muito longe das necessidades derivadas da pandemia e da subsequente crise económica e social.

O governo não gastou um cêntimo dos 4,5 mil milhões de euros que o Orçamento Suplementar autorizou a acrescentar à despesa orçamental de 2020. A despesa total executada em 2020 ficou 223 milhões abaixo do orçamentado inicialmente.


Portugal foi um dos países europeus com menos investimento público em 2020 no combate à pandemia, só ficando à frente da Grécia e de Chipre, em percentagem do PIB.

Segundo os números do governo que o BE escalpelizou ao apresentar alternativas consistentes para dar resposta às debilidades do SNS, combater a Covid-19 e recuperar os atrasos acumulados nas respostas às restantes doenças, estima-se que este ano”a despesa executada em Saúde fique 807 milhões de euros acima do inscrito no OE 2020, atingindo os 12.033 milhões de euros. No entanto, o reforço previsto para 2021 face a este patamar de despesa é de apenas 484 milhões, abaixo do reforço que, nos anos anteriores à pandemia, foi adicionado à despesa estimada (525 milhões em 2019).”A transferência para o SNS apenas se reforçará em 0,03% relativamente ao executado no orçamento deste ano.

Miguel Guedes, na sua crónica no JN do passado dia 23, denuncia o “simulacro de negociação” por parte do PS, que nem sequer cumpriu com o que tinha prometido nos acordos à esquerda que viabilizaram o OE´2020, mas inclui essas medidas “velhas” não cumpridas, como novidades no OE’2021. Em particular na Saúde onde há quase 900 mil utentes sem médico de família e houve uma quebra de mil médicos entre Janeiro e Setembro deste ano. O que é confirmado por Diana Póvoas, dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, que diz que o OE´2021 não dá respostas para inverter a situação dramática de o país ter menos mil médicos no SNS do que em Janeiro. Preocupação também manifestada ao Presidente da República pela Federação Nacional dos Médicos que lamentou que não se tivesse aproveitado o conhecimento de quem está no terreno para preparar melhor a resposta a esta segunda vaga e aos doentes não-Covid.

Sobre as implicações do OE´2021 na legislação laboral, Manuel Carvalho da Silva, ex-Secretário-Geral da CGTP, afirmou, num encontro com sindicalistas promovido pelo BE, que sem alterações este Orçamento é “uma armadilha dos diabos” para o mundo do trabalho e que o governo não proibir a caducidade unilateral da contratação colectiva é “um crime político”. Também Sérgio Monte, Secretário-Geral Adjunto da UGT e membro da Comissão Política do PS, reconhece que nem o governo nem o PS querem alterar as leis laborais da direita, que criticaram no tempo da Troika. “Este é um quadro político com o apoio da direita”.

O próprio FMI recomenda, para fazer face à recessão que se prevê agravar para o ano, uma “grande expansão orçamental” (investimento público) e sustentação do consumo com reforço do poder de compra, para compensar ausência do investimento privado.

Compreendo o receio de alguns de que uma crise política possa reforçar a direita e a extrema-direita. Mas lembro que nos Açores a extrema-direita não foi buscar votos ao Bloco de Esquerda, que até reforçou a sua votação, mas sim ao PS e ao PCP. A indefinição e o “faz que anda mas não anda” é que promove o desalento e abre caminho à extrema-direita populista, racista e apoiada por neonazis, em Portugal como no resto do mundo.

Melhor fariam os militantes do PS que nos últimos dias se entretêm a zurzir no BE, se fizessem pressão sobre o governo para recomeçar negociações sérias com o Bloco. Como disse Ana Sá Lopes no editorial do Público do passado dia 27, com o título “António, chame o Pedro Nuno”, “Costa contava com maioria absoluta em 2019 e começou a descartar a “geringonça”, que formou para chegar ao poder já no fim da última legislatura. Ao não aceitar novos acordos escritos, sonhou com aquilo que as urnas não lhe deram: um poder para fazer exactamente aquilo que quisesse, conforme os seus melhores interesses. À “humildade” de 2015 sucedeu a arrogância de 2020. A relação estragou-se.”

Quem estragou é que tem de compôr. Catarina Martins já disse que está pronta para continuar a negociar. Costa, no entanto, limitou-se a fazer chantagem dizendo que se o BE votasse contra na votação final não incluiria no Orçamento as poucas propostas que já tinha acordado com o Bloco, (das muitas apresentadas pelo BE, que face à intransigência do PS abdicou de muitas delas num esforço negocial que não foi valorizado).

 

(Foto DR)

 

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