Sobre o Governo

Mas também se nota que Costa já assinala os oito anos de mandato. Recuperar da troika, enfrentar a pandemia e limitar os efeitos da guerra são tarefas ciclópicas que nenhum dos seus antecessores teve de enfrentar. Por isso, compreendo bem a sua ambição, nunca revelada mas intuída pelos portugueses, de querer vir a ocupar um cargo europeu.

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  • 22:45 | Quinta-feira, 05 de Janeiro de 2023
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1. Temos de regressar a 2001 para encontrarmos uma situação igualmente difícil, para o Partido Socialista, como a que vivemos nos últimos dias. A saída de Pedro Nuno Santos do Governo criou tristeza nos militantes, mesmo naqueles que não apreciam as suas posições mais à esquerda.

O mesmo havia acontecido com Jorge Coelho, aquando da queda da Ponte de Entre-os-Rios. Estas duas personalidades têm, por vias diferentes e formas de estar distintas, uma intensa presença na militância socialista.

Pedro Nuno é um político seguido. No PS foram poucos os políticos que fizeram percursos de liderança e de partilha tão estreitos como os que ele tem vindo a construir desde a liderança da JS.

Alguns comentadores dizem que Pedro Nuno vai para o Parlamento para ser oposição a Costa. Dirão agora, depois da escolha de Galamba e de Marina, que Costa também poderá ter acreditado nisso. É um erro! Porque Pedro Nuno sabe que os próximos dois / três anos são de confirmação da sua aliança com os militantes e estes não gostam de oposições internas quando o PS está no Governo. Mas também sabe que o caminho que seguir ditará muita da sua capacidade para ir além do partido, de reforço da sua leitura do país.


2. Ser jornalista deixou, para muitos, de comportar a função nobre de intermediação. Alguns jornalistas-comentadores parecem não conseguir encontrar as razões certas para o entendimento geral de cada decisão política, para o esclarecimento de cada ato de um qualquer agente partidário. Há como que uma espécie de despeito em que muitos artífices da comunicação social se estariam a ver em cada posto de governação, que se sentem mais benzidos pelo Senhor do que qualquer estadista hodierno.

 

Por outro lado, o número de comentadores que existem nas televisões e rádios diz bem da presença das oposições no fazer da opinião pública, negando o argumento comovedor de que o Governo tem boa comunicação.

Os “opinionistas” insistem numa obrigação que querem decretar, permanentemente, a António Costa – a de alargar as suas escolhas, para os lugares de Governo, ao que apelidam de sociedade civil.

Quando, no início desta legislatura, Costa escolheu personalidades importantes da tal sociedade civil para as pastas da Defesa, da Ciência ou da Economia, as apreciações não relevaram; agora que Costa escolhe Galamba e Marina, personalidades que mostraram competência governativa e que também são da sociedade civil pela sua intervenção pública, a salivação considera que Costa já está em espaço curto no recrutamento.

Marques Mendes alinhou, no passado domingo, pelo mesmo diapasão. Só que Mendes é o exemplo típico do aparelho laranja, do tal espaço curto de recrutamento (?) dos partidos. Com 28 anos é secretário de Estado; com 30 continua secretário de Estado; aos 34 é ministro. Depois deputado, e líder parlamentar, deputado e, de novo ministro. Segue-se a presidência do PSD sem nunca ter passado por qualquer emprego privado de relevo até aos 45 anos.

Eu acho que Mendes foi um bom ministro. Não acho que ter sido tudo em política, tendo sido pouco na vida civil, tenha sido impedimento. Só lhe falta, por agora, introspeção…

3. O Governo não vive só os dilemas das substituições de ministros e secretários. Uma parte importante dos seus membros vive quatro problemas que devem ser bem ponderados por António Costa.

 

 

 

O primeiro problema é o da falta de proximidade. Muitos membros do Governo têm uma relação difícil com o grupo parlamentar e com o partido. Não seria problema se tivessem uma boa relação com os seus universos de intervenção, mas isso também não acontece.

O segundo problema é o da funcionalização. São curtas as exceções que nos dizem que os membros do Governo têm uma visão estratégica. Uma grande fatia limita-se a uma gestão burocrática, sem um sentido que vá para além da rotina.

O terceiro problema é o da ausência de partilha. Ninguém faz mudanças, concretiza um programa, fica na memória dos portugueses se não conseguir mobilizar os serviços das administrações públicas para as causas. Ora, o que se constata é a transformação de muitos gabinetes em pequenas start-ups, desligados dos grandes desafios e das grandes transformações que interessa fazer.

O quatro e último problema é o do cansaço. Esse cansaço vê-se na forma como se transmite a mensagem, no toca e foge com que alguns governantes olham os dossiers que queimam, na ausência de país nas agendas de muitos dos ministros. Ora, Portugal teria muito a ganhar se fosse mais Norte formiguinha, se Lisboa fosse menos indolente.

Quem pode resolver todos estes enquistamentos? O Chefe do Governo! Mas também se nota que Costa já assinala os oito anos de mandato. Recuperar da troika, enfrentar a pandemia e limitar os efeitos da guerra são tarefas ciclópicas que nenhum dos seus antecessores teve de enfrentar. Por isso, compreendo bem a sua ambição, nunca revelada mas intuída pelos portugueses, de querer vir a ocupar um cargo europeu. Se vier a acontecer, Costa não deve ter qualquer problema de consciência, a democracia tem sempre soluções e o PS está sempre preparado.

Até lá, todos, os que são seus ministros, seus companheiros de partido e seus amigos, devem disponibilizar-lhe o que for necessário para uma nova energia que o faça dilatar a alegria de fazer e o gosto de governar.

E, já agora, poderíamos também pedir a Marcelo Rebelo de Sousa que se limite nos anúncios da guilhotina. Costa não é Luís XVI.

Ascenso Simões

 

(Fotos DR)

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Publicado em Opinião