Regionalização: Abril não se cumpriu

As crianças e os jovens procuram “cidade”. Porque só a “cidade” liberta. E num mundo de liberdade, seja ela imaginada através das redes sociais ou real através das viagens low cost, não há um só jovem que, querendo ter uma vida, aceite ficar num qualquer sítio onde só há o emprego da câmara, dos lares ou de uma qualquer média superfície.

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  • 10:07 | Terça-feira, 02 de Maio de 2023
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Portugal é, cada vez mais, uma curta faixa de Braga a Setúbal. O Algarve tem um desenvolvimento desequilibrado e sofre com a gripe cíclica do setor do turismo. Esta realidade deveria obrigar os poderes públicos a pensar no país que queremos ter na segunda metade do presente século, mas não é isso que está acontecer.

Apesar de muito se falar de coesão, do desenvolvimento do interior, da desertificação física e do despovoamento, as políticas seguidas, ao longo das últimas décadas, por muito dinheiro que se tenha gasto, não criaram as condições necessárias ao equilíbrio territorial e demográfico.

Quais são os principais erros do nosso planeamento? Diria que são dois, mas graves!


O primeiro está no facto de sermos um país/região. Portugal, ao contrário da esmagadora maioria dos Estados da União Europeia, mesmo os da nossa dimensão e até mais pequenos, não dispõe de estruturas administrativas intermédias resultantes do sufrágio direto, entidades que permitiriam a definição de políticas supramunicipais; o segundo, é o da ausência de uma política de cidades médias que faça estancar a saída direta de pessoas das pequenas comunidades para o litoral e para o exterior.

Os fundos europeus não beneficiaram o desenvolvimento integrado e equilibrado do país. A sua distribuição, através de mecanismo proporcional (quando não de amiguismo) faz com que se identifiquem hoje muitos municípios onde as ruas das vilas e aldeias foram levantadas a cada ciclo, que se tivesse gasto dinheiro sem sentido.

O país deveria ter baseado toda a estratégia em políticas de fixação populacional e industrial em duas dezenas de municípios do interior com um potencial de crescimento acima das cem mil almas, construindo “cidade” em cada um deles.

As crianças e os jovens procuram “cidade”. Porque só a “cidade” liberta. E num mundo de liberdade, seja ela imaginada através das redes sociais ou real através das viagens low cost, não há um só jovem que, querendo ter uma vida, aceite ficar num qualquer sítio onde só há o emprego da câmara, dos lares ou de uma qualquer média superfície.

As Comunidades Intermunicipais, pela sua forma de gestão e pela rara existência de leitura política acima do interesse micro, servem para pouco. Nunca se afirmaram porque lhes falta a dimensão institucional que só seria concedida se os círculos eleitorais para a eleição de deputados e as representações de soberania com elas coincidissem.

Mas a grande questão que temos pela frente, e que tardamos em enfrentar, é a da Regionalização.

O país precisa de uma Regionalização? Claro que precisa! E a regionalização de que se falou ao longo dos últimos quarenta anos é a mais adequada? Esse é o problema – não é!

Estamos em tempo de revisão da Constituição da República Portuguesa e os deputados deveriam introduzir um mecanismo que permitisse a concretização das regiões de forma faseada, mesmo que se impusesse um referendo, em cada uma delas, antes da sua concretização.

O Algarve e o Alentejo devem estar dependentes da concretização da Região Norte para poderem determinar o seu futuro? Não é razoável que a isso sejam obrigados!

Por outro lado, as regiões, como acontece por essa Europa, não devem ter todas as mesmas atribuições, nem as mesmas competências e nem o mesmo regime de financiamento. Ou seja, as leis de valor reforçado que as criarem devem poder determinar sistemas de organização política e técnica díspares.

 

O Partido Socialista vai-se enrolando em dança lenta entre uma tímida opção pela regionalização e a sua negação. O PPD/PSD é maioritariamente contra essa regionalização em tempo de crise. Ora, sabemos que as crises são bem mais latas que os períodos de bom tempo e que, a não deitarmos mão da imaginação, continuaremos e apressaremos o iníquo processo de estreitamento do país habitado e com futuro.

Muitos dirão que em Espanha as autonomias não fizeram cessar o despovoamento. É verdade quanto à realidade rural e às pequenas comunidades*. Na Espanha vazia progride o ceticismo e é já um campo fértil de penetração do VOX, o partido franquista que cresce como nunca se pensou. Mas as regiões dos reinos das Espanhas conseguiram descentralizar o poder de decisão, desconcentrar as obrigações do aparelho madrileno, obrigar à presença da ciência e da técnica, tudo de forma muito equilibrada em todo o território.

E foram, ainda, as Autonomias quem fez valer as tradições e os usos ancestrais, coisa que em Portugal se eclipsou de forma quase total. O Minho e o Ribatejo ainda comportam restos de culturas antigas, mas não tardará a verificar-se o seu definhamento.

Estamos em boa hora de ponderar um acerto sobre o futuro. A Associação Nacional de Municípios deveria implicar os partidos para que a revisão da Constituição tivesse largueza de ombros sobre uma outra Regionalização, um processo em que se deve fazer o que urge ser feito. Que se avance rápido!

* Garolera, Jaume Font, 2023, Las Españas despobladas, Madrid, Catarata.

Ascenso Simões

 

(Fotos DR)

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Publicado em Opinião