Pensar e discernir

Pensar sempre foi o ato mais subversivo que conheço. Não deixe de o fazer, por si, com a sua cabeça. Analise, pergunte o que não entende, exija respostas e tire as suas conclusões. Uma sociedade evoluída é uma sociedade informada, consciente dos problemas, com bom senso e capacidade de discernimento, mas acima de tudo constituída […]

  • 21:42 | Sexta-feira, 20 de Março de 2015
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Pensar sempre foi o ato mais subversivo que conheço. Não deixe de o fazer, por si, com a sua cabeça. Analise, pergunte o que não entende, exija respostas e tire as suas conclusões.
Uma sociedade evoluída é uma sociedade informada, consciente dos problemas, com bom senso e capacidade de discernimento, mas acima de tudo constituída por pessoas que recusam as cartilhas, as verdades feitas, os homens e mulheres providenciais e os pensamentos únicos.
Uma sociedade informada percebe o valor dos compromissos, da necessidade de aproximar posições, da capacidade imperiosa de eleger pessoas que compreendem o mundo, sabem como funciona e são suficientemente pragmáticas para aliviar tensões facilitando acordos, mas que nunca cedem ao populismo, são intransigentes nos princípios, recusam as receitas simplistas e estão sempre disponíveis para reanalisar e adaptar à realidade.
Em tempos quando estive em campanha eleitoral numa candidatura autárquica usei como lema “Foco nas pessoas e nas suas necessidades”. Não fui compreendido, mas é exatamente isso que nos deve mover.
Um dos resultados destes vários anos de austeridade foi o aumento da pressão fiscal sobre os contribuintes, que se transformou num enorme sufoco sobre as famílias. Em muitas situações essa pressão fiscal é justificada pois introduziram-se mecanismos de combate à evasão fiscal que eram e são necessários.
Noutras situações não se justifica pois tendem a taxar a falha de forma absolutamente inaceitável e até moralista, introduzindo injustiças que não se compreendem e mais parecem adaptadas a máquinas automáticas em vez de a homens, mulheres e respetivas famílias. Esse discurso moralista, baseado na perfeição de quem tudo cumpre quando está de barriga cheia, e não compreende, nem é tolerante, com a falha de quem está em dificuldades e precisa de ajuda e que compreendam a sua situação, é muito perigoso para o futuro e tende a virar-se contra quem o apregoa aos sete ventos.
Foi o que aconteceu como o Primeiro-ministro que fez discursos moralistas em campanha eleitoral e em congressos partidários sobre aqueles que não pagavam impostos, discorrendo sobre os efeitos que isso tinha nos outros cidadãos e na sociedade em geral, e se percebeu mais tarde que em momentos não muito longínquos da sua vida pessoal, em que viveria eventualmente como mais aperto e de forma menos controlada, passou por situações em que falhou várias vezes nos prazos do cumprimento das suas obrigações fiscais e contributivas. Isso só é significativo no caso do Primeiro-ministro porque fez um discurso moralista e sustentou a ação do seu Governo nesse discurso. Mas é absolutamente compreensível, admissível e pode, de facto, acontecer a qualquer um sem nenhuma perda de honorabilidade desde que tenha regularizado a situação.
Essa pressão fiscal, aliada ao discurso moralista e a passados cheios de telhados de vidro faz com que muitos dos protagonistas da causa pública tenham medo da exposição mediática. Ora, em vez de garantirem que o acesso aos dados fiscais e patrimoniais de todos os contribuintes é restrito e somente acessível pela máquina fiscal em situações tipificadas, assegurando assim a privacidade e o cumprimento da lei, optam pelo discurso populista que tudo parece querer colocar na praça pública como se isso e transparência tivessem alguma correlação. No entanto, incapazes de controlar a máquina fiscal e atuar quando se verificam abusos, e conhecedores das fragilidades pessoais de cada um, adoptam mecanismos de controlo de acesso a listas de pessoas consideradas mais importantes.
Ao procederem desta forma cometem dois graves erros que têm consequências muito importantes: diferenciam os contribuintes, entre importantes e pouco importantes, e colocam em causa a confiança na máquina fiscal que é assim apresentada como algo sem controlo e na qual tudo pode acontecer (como por exemplo ter um qualquer funcionário a aceder a dados pessoais de um qualquer contribuinte sem nenhuma razão que o justifique). O resultado de tudo isto levou à demissão do diretor geral e do sub-diretor geral da Autoridade Tributaria e Aduaneira, transformou um secretário de estado num fantasma político e, pior do que tudo isso, colocou todos os portugueses a duvidar da máquina fiscal.
 
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Publicado em Opinião