Os homens da Ordem e do Estabelecido

Estão, sim, senhor coronel. E aflitos, com medo de uma reviravolta política em Portugal. No entanto, tenha cuidado com o que diz e com o que faz. Depois de resistir à onda democratizante, Salazar saberá repor a ordem, a repressão, o medo e o silêncio, que são frutos da mesma árvore.

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  • 15:47 | Quarta-feira, 03 de Fevereiro de 2021
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Belisário Pimenta havia de morrer velho. Viu Salazar cair e Caetano suceder-lhe, mas não presenciou o fim do Estado Novo. Republicano, anticlerical e democrata, pensou, como muitos outros, que o mundo do pós-guerra acabaria com o salazarismo. Enganou-se. Em 6 de Agosto de 1945, no exacto dia em que a bomba atómica arrasava Hiroxima, tomou nota do que ouvira sobre a conferência de Postdam na rádio de Nova Iorque.

O comunicado final desta reunião dos vencedores da Segunda Guerra Mundial afirmou o «completo apoio à liberdade de imprensa, de opinião, de religião e das actividades dos sindicatos operários», com os quais se haveria de reconstruir o mundo.

Belisário Pimenta, ao ler isto no jornal, achou graça a que «os homens da Ordem e do Estabelecido» tivessem deixado publicar uma tão declarada defesa da liberdade. A censura descuidou-se? Encontra-se «desmoralizada»? «Estarão os nossos homens um pouco atarantados?»

Estão, sim, senhor coronel. E aflitos, com medo de uma reviravolta política em Portugal. No entanto, tenha cuidado com o que diz e com o que faz. Depois de resistir à onda democratizante, Salazar saberá repor a ordem, a repressão, o medo e o silêncio, que são frutos da mesma árvore.


Na semana seguinte, Belisário Pimenta ainda pasmava. Os jornais noticiaram o discurso de Truman, presidente dos Estados Unidos da América. «Até o retrato de Estaline já vem publicado!»

Não se entusiasme, senhor coronel. Ainda faltam vinte e nove anos para o 25 de Abril.

 

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Publicado em Opinião