O que nos arriscamos a perder

Questões como a desflorestação da Amazónia ou o degelo na Antártida, ainda que a milhares de quilómetros, afetam as nossas vidas, afetam todo o planeta. Não nos equivoquemos, as consequências das alterações climáticas estão aqui, estamos a vivenciá-las nos nossos territórios, no nosso país, na Europa, no mundo.

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  • 19:04 | Domingo, 25 de Julho de 2021
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Dezenas de incêndios mobilizam milhares de bombeiros na região Oeste dos Estados Unidos. Os incontroláveis incêndios florestais na Califórnia e Oregon estão a afetar outras regiões dos Estados Unidos. Nova Iorque acordou sob uma densa nuvem de fumo, apesar de estar a mais de 4.500 quilómetros das chamas. Fogos sem precedentes lavram e devastam a floresta na Sibéria. No nosso país, em resultado da subida das temperaturas, nos últimos dias, os bombeiros também sido chamados a intervir em vários teatros de operações.

Em paralelo, as inundações fustigaram a Europa Central. Já morreram 153 pessoas, das quais 133 na Alemanha. Na China há milhares de pessoas afetadas, isoladas pelas cheias. Miranda Massie, fundadora e diretora do Climate Museum [1], dedicado às mudanças e às soluções climáticas, na cidade de Nova York, considera que a emergência climática é maior fonte de injustiça racial e social que existe e a maior crise de igualdade que a humanidade já viveu.

Questões como a desflorestação da Amazónia ou o degelo na Antártida, ainda que a milhares de quilómetros, afetam as nossas vidas, afetam todo o planeta. Não nos equivoquemos, as consequências das alterações climáticas estão aqui, estamos a vivenciá-las nos nossos territórios, no nosso país, na Europa, no mundo.


Durante uns tempos, o mundo andou fascinado com a jovem ativista Greta Thunberg, houve alguns sinais positivos, apesar de ténues. Com a dimensão planetária da pandemia, provocada pelo inimigo invisível, Covid-19, todos os assuntos, incluindo as alterações climáticas, ficaram em segundo plano.

Não alinho no discurso apocalíptico de Yuval Noah Harari (21 Lições para o Século XXI, Elsinore, 2018) – “nas próximas décadas a Humanidade irá enfrentar uma nova ameaça existencial (…) o colapso ecológico.”, mas também não tenho como contrariar-lhe o argumento: “Os seres humanos estão a destabilizar a biosfera global em diversas frentes. Estamos a extrair cada vez mais recursos do ambiente e, em simultâneo, a enchê-lo de enormes quantidades de lixo e poluição, alterando a composição dos solos, da água e da atmosfera. (…) o Homo Sapiens pode destruir os alicerces da civilização humana.”

Os cientistas alertam para um cataclismo irreversível, uma consequência da subida das temperaturas globais médias de dois graus, provocando uma maior desertificação, o inevitável desaparecimento das calotas polares, a subida do nível do mar e o aumento da frequência de fenómenos como furações e tufões. Mudanças que afetarão a produção agrícola. Em Portugal, a falta de água no Sul de Portugal é um assunto sensível. Por estes dias, a coordenadora do Bloco de Esquerda pediu “nem mais um metro de estufa em Odemira.” A prática de agricultura intensiva em monocultura está massificada e as consequências desta prática são evidentes. Fotografias de satélite revelam um “mar de estufas” na costa alentejana. Foi lançada uma petição pública [2] para limitar o “avanço galopante e descontrolado da indústria agrícola, nomeadamente as culturas cobertas por quilómetros de plástico”. Estas práticas, devido à pandemia, visibilizaram as condições inumanas em que vivem muitos dos “escravos” do século XXI, trazidos do Nepal, da Índia e do Paquistão por traficantes.

As alterações climáticas tornam-nos mais vulneráveis perante os vírus que acabam por converter-se em pandemia. O biólogo Fernando Valladares, no artigo “El coronavirus nos obliga a reconsiderar la biodiversidad y su papel protector” (https://www.eldiario.es) deixa clara a relação entre a biodiversidade e o coronavírus: “A biodiversidade não nos protege apenas dos vírus. Os ecossistemas estáveis ​​e funcionais protegem-nos de várias maneiras. Mas a função protetora dos ecossistemas está a enfraquecer com as mudanças climáticas.”

 

As nossas ações individuais são importantes, mas inconsequentes. Temos que criar espaços de reflexão sobre a crise climática que sensibilizem as pessoas e permitam que contactemos uns com os outros através da ação cívica e global. Têm que ser dados passos para a criação de um triângulo virtuoso: DIÁLOGO – SENSIBILIZAÇÃO – AÇÃO.

Agir aqui e agora é o mote lançado por dois artistas consagrados que admiro: Ai Weiwei e Sebastião Salgado. O estado de emergência ambiental em que vivemos é o tema da segunda grande exposição de Ai Weiwei em Portugal. Em Serralves, as obras apresentadas, sobretudo Iron Roots (Raízes de Ferro, 2019) e Pequi Tree (Pequi vinagreiro, 2018-2020) “são um alerta poético sobre a nossa relação com a natureza.”. A ida ao Porto já está na agenda. Entretanto, delicio-me à medida que observo cada fotografia da soberba obra de Salgado: Gênesis (Taschen)- “Um hino visual à grandeza e à fragilidade da terra. Mas é também um aviso, espero, acerca de tudo o que nos arriscamos a perder.”

Os anteriores projetos do consagrado fotógrafo, Trabalhadores e Êxodos, “consistiram em viagens pelas experiências e adversidade da humanidade.”

É um dever de cidadania agirmos imediatamente porque “A sustentabilidade é o grande desafio do século XXI e, para a alcançar, devemos começar pela maneira como vemos o mundo, como pensamos acerca dele, como atuamos em relação a ele.” (Irina Bokava, Diretora-geral da UNESCO, In Gênesis)

[1] https://climatemuseum.org/
[2] https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT95695

 

(Fotos DR)

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Publicado em Opinião