O Portugal 2030

O próximo período de financiamento comunitário não pode manter uma quase total ausência de propósito, de eficácia e objetivos bem definidos, que foi característica do QREN e, especialmente, do PT2020 (um programa mal preparado e mal-organizado). Há questões que têm de ser resolvidas definitivamente no que diz respeito à divulgação de oportunidades de financiamento, ao […]

  • 9:00 | Sábado, 20 de Janeiro de 2018
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O próximo período de financiamento comunitário não pode manter uma quase total ausência de propósito, de eficácia e objetivos bem definidos, que foi característica do QREN e, especialmente, do PT2020 (um programa mal preparado e mal-organizado). Há questões que têm de ser resolvidas definitivamente no que diz respeito à divulgação de oportunidades de financiamento, ao respetivo concurso, avaliação e acompanhamento (muito exigente e próximo) da execução dos projetos financiados. Mas nisso nem há muito a inventar, basta copiar o que se faz bem um pouco por essa Europa fora.

Interessa, nesta fase, definir prioridades e, com elas, linhas de ação destinadas a atingir objetivos muito concretos. Não é possível que Portugal continue a verificar, programa de financiamento após programa de financiamento, que divergiu relativamente à Europa e que, mais de 100 mil milhões de euros depois, é um país mais desigual, mais desertificado, com grande parte do seu território abandonado e onde viver no interior, isto é, alguns quilómetros fora dos grandes centros é uma opção de risco. Refiro aqui quatro prioridades.

Em primeiro lugar, percebendo que os fundos comunitários são oportunidades de investimento que têm como objetivo o desenvolvimento regional, a coesão e a formação profissional, é preciso ter uma ideia muito clara das infraestruturas que temos, como estão distribuídas pelo território, como podem ser partilhadas e como podem ser maximizados os resultados da sua utilização. Ora, o país não sabe isso. Num mundo em que as redes são essenciais, em que se retira vantagem da capacidade de funcionar em rede, unindo esforços, iniciativas e atividades comuns, o nosso país tem o seu território de tal forma desorganizado e malgovernado que não foi ainda capaz de estabelecer essas redes. Uma identificação clara, georreferenciada, de todos os equipamentos do país, bem como da sua área de influência, permitirá perceber as deficiências de utilização, e com isso resolver défices de exploração, e identificar as falhas que ainda existam. A identificação e realização de formas de Governo que permitam o estabelecimento de redes com vista à partilha de equipamentos, iniciativas e ações comuns entres os vários territórios é por isso essencial.


Também por isso, e como segunda prioridade, é muito importante perceber se nos estamos a organizar bem no Governo dos territórios. É para mim claro que a organização sub-regional precisa de ser repensada, pois não faz nenhum sentido que regiões pobres e subdesenvolvidas não estejam ligadas a regiões mais desenvolvidas e partilhem de estratégias comuns. Isso seria particularmente importante na área empresarial, pois qualquer estratégia de re-industrialização e de distribuição de atividade económica pelo território, única forma de vencer a desertificação demográfica e de tirar partido de valências locais que signifiquem alguma diferenciação, tem de estar assente na capacidade de apoio ativo e cooperação entre sub-regiões permitindo não só ganhar escala, mas também estender as mais-valias para uma maior área de território. Os objetivos para o interior têm de ser valorizados, de forma bem mais significativa, quando comparados com os do litoral. Essa diferenciação positiva justifica-se pela enorme diferença de desenvolvimento que deixamos que acontecesse.

Em terceiro lugar, é necessário investir na capacidade de atrair investimento direto estrangeiro para o nosso território. Essa é a única forma de aumentar fortemente os níveis de exportação e, com isso, crescer a níveis que nos permitam o desenvolvimento mais sustentável e a redução mais significativa e célere da nossa dívida externa. Esse trabalho é um trabalho gigantesco que tem de se estender a todo o território. Não se pode resumir a iniciativas mais ou menos locais, como os vários programas municipais INVEST que se multiplicaram por todo o país. Tem de existir uma iniciativa INVEST-PORTUGAL, bem organizada, que seja capaz de justificar a um investidor estrangeiro porque razão deve investir em Portugal. Uma iniciativa que junte todos os parceiros relevantes, desde universidades, centros de I&D, centros tecnológicos, o IEFP, o AICEP, todas as agências ligadas a inovação, as câmaras municipais, etc., de forma a organizar um país para atrair, receber, encaminhar, acompanhar e estar comprometido com investimento direto estrangeiro. Portugal tem de mostrar, com ações, que se preparou para o investimento, que o deseja e sabe o que fazer com qualquer declaração de interesse, mas também que identifica oportunidades e procura ativamente desenvolvê-las. Esta prioridade é essencial ao país e implica um nível de organização local, com capacidade de decisão, que precisa de ser trabalhada, até porque as iniciativas locais têm particularidades próprias, associadas às características de cada região, que precisam de ser valorizadas e protegidas.

Em quarto lugar, Portugal tem de organizar muito melhor a forma como financia a sua capacidade de gerar conhecimento e aplicação desse conhecimento (inovação). Tem de ser muito mais rigoroso, muito mais internacional, com mais escala e muito menos centrado numa lógica de investimento público. É necessário dar o salto para centros de competências, em várias áreas do conhecimento, que juntam valências de ciência fundamental e aplicada, que são capazes de atrair financiamento de várias fontes: públicas e privadas. Defendo ainda que deve ser realizado um mecanismo de financiamento que incentive, de forma gradual, as instituições a estabelecer parcerias, com outras entidades, nomeadamente empresas, com o objetivo de garantir que o conhecimento gerado, as iniciativas desenvolvidas, chegam com mais facilidade à economia e se transformam em novas oportunidades. Isso teria também um forte impacto no emprego de pessoas com formação avançada: mestres e doutores.

O próximo quadro de fundos comunitários não deve ser de obra ou de infraestruturas. Deve ser o de organizar o país e tirar partido daquilo que formos capazes de desenvolver.

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Publicado em Opinião