O homem da bicicleta

Em Novembro de 1940, Álvaro Cunhal saiu da prisão e encontrou o partido comunista português dividido, desorganizado e quase inactivo. O pacto germano-soviético descredibilizara o PCP e desorientara os seus dirigentes. O partido, bipolarizado, entrou em severo conflito interno. E foi sobre essa indisciplina que o poder de Álvaro Cunhal se foi impondo até se […]

  • 12:52 | Quarta-feira, 26 de Junho de 2019
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Em Novembro de 1940, Álvaro Cunhal saiu da prisão e encontrou o partido comunista português dividido, desorganizado e quase inactivo.

O pacto germano-soviético descredibilizara o PCP e desorientara os seus dirigentes. O partido, bipolarizado, entrou em severo conflito interno. E foi sobre essa indisciplina que o poder de Álvaro Cunhal se foi impondo até se tornar indisputado.

No dia 4 de Maio do ano seguinte ainda se deixou fotografar num passeio de barco pelo Tejo na companhia de Dias Lourenço e outros camaradas. Meses depois, entrou na clandestinidade.


Abandonou a vida comum, as deambulações pela rua, as idas ao cinema, os encontros com os amigos. Tornou-se um foragido, sempre fechado, sempre a mudar de casa para fugir da polícia.

José Pacheco Pereira, seu biógrafo, diz que «Cunhal criou da sua clandestinidade o mito do “homem da bicicleta”». A designação contém a visão heróica, cultivada pelo partido, de um líder jovem, enérgico, de cabelo ao vento, pedalando na noite, escapando aos algozes, fazendo da bicicleta a metáfora da bravura. Havia, na verdade, dentro do partido comunista português, os homens da bicicleta, mas Álvaro Cunhal, sem dúvida corajoso e activo, era, segundo Pacheco Pereira, «o homem da caneta, o homem da palavra, o homem das reuniões, o burocrata-mor do grupo».

O alegado homem da bicicleta passou oito anos a fugir da polícia. Os anos de 1940 a 1943 foram os mais difíceis, tanto pela repressão da polícia, como pela extrema penúria em que viviam os comunistas. A miséria do racionamento, que afectou todo o País, repercutiu-se com dureza nos clandestinos da política.

A fuga de Álvaro Cunhal acabou no Luso, um magnífico sítio para o ciclismo. É aqui que o Buçaco se inclina e autoriza os corredores a mostrarem o que valem. Instalou-se no Casal de Santo António em Dezembro de 1948, quando o Inverno desaconselha as curvas molhadas. Nunca deve ter pegado numa bicicleta. Mantinha-se em casa, o que criou suspeitas entre os vizinhos bisbilhoteiros. Quatro meses depois, foi cercado pela política. Saiu algemado para um cativeiro de onze anos.

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Publicado em Opinião