O “grand seigneur”

O que nele me impressionava era o respeito que o seu imenso saber infundia, a capacidade que tinha de prender pela fluidez do discurso, pela profundidade da argumentação, o silêncio que ao seu redor se fazia sempre que a sua voz serena se levantava, o seu olhar fresco e penetrante.

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  • 18:16 | Segunda-feira, 24 de Outubro de 2022
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Com uns luzidios 100 anos, faleceu o Professor Adriano Moreira, figura respeitável pela sua ancianidade e pela aura que dele, naturalmente, emanava.

Sem o conhecer pessoalmente, nem partilhar da ideologia que convictamente professava, habituei-me a gostar dele e a respeitá-lo.

Não era o político que eu admirava, e tanto me fazia que tivesse servido a dois regimes, isso para mim era coisa pouca ou um “não assunto”. Ou que até mesmo tivesse estado preso no Aljube, aquando do Estado Novo, glória de que ele não desdenharia, mas de pouco lhe acrescentava ao ser que era.


O que nele me impressionava era o respeito que o seu imenso saber infundia, a capacidade que tinha de prender pela fluidez do discurso, pela profundidade da argumentação, o silêncio que ao seu redor se fazia sempre que a sua voz serena se levantava, o seu olhar fresco e penetrante.

O seu verbo tinha densidade, espessura, nisso se distinguindo dos papagaios e dos fala-barato, versões civilizadas dos vendedores de banha da cobra.

Era um senhor no porte e na palavra. Era um pensador e, nessa medida, um sonhador, titular de uma invulgar capacidade de ver o mundo, muito para além dos ciclos políticos, da vertigem dos dias curtos e do frenesim dos homens pequenos.

Como grande autoridade académica que era, deixava uma forte impressão digital em tudo o que fazia, dizia ou escrevia, não raras vezes explanando teses irrebatíveis.

Fugindo das veredas tortuosas e sebentas da política doméstica, que nos vêm fazendo criados do mundo e lacaios das grandes potências, Portugal perdeu um dos seus melhores, pensador, senador, príncipe.

E com a fúria do tempo, vamos perdendo os melhores, os verdadeiramente grandes. Resta-nos honrá-los de uma forma simples e prática: destapando os falsos eruditos.

 

(Fotos DR)

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Publicado em Opinião