O ensino à distância e a verdade que faltou

Ninguém esperaria dinheiro, que sabemos ter dono, a Efacec, a TAP e o Novo Banco. Mas um reconhecimento sabia bem.

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  • 12:43 | Sexta-feira, 10 de Julho de 2020
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Caminha para o fim o ano lectivo. Duro e atípico. Único nas aprendizagens. Pessoalmente, aprendi mais do que ensinei. Senti-o na ansiedade e nas vísceras, a todo o tempo, numa dobadoira.

Hoje, canta-se o sucesso que foi o ensino não presencial, sublinhando-se o esforço incrível de milhares de professores para acompanharem a nova realidade. Alguns fizeram das tripas coração para se adaptarem às novas tecnologias. Ninguém baixou a guarda e também eles foram heróis, na linha da frente. Tudo isto resultou mais ou menos porque os professores se aguentaram e ninguém desertou. E também os alunos e também os pais.

No balanço, há, todavia, detalhes que devem ser lembrados porque as turbulências não podem fazer esquecer a verdade. Quando o ME determinou as videoconferências não se preocupou em saber se os professores estavam disponíveis para colocar ao serviço do Estado os equipamentos que eram seus. Decidiu, mandou publicar e o povo que cumprisse! Sem saber se havia recursos tecnológicos para levar a cabo a política definida, para além dos obsoletos e anacrónicos computadores que continuam a ser os únicos em muitas escolas. Os professores deram as aulas nos seus pcs, os que não tinham, tiveram de os comprar. Desgastaram os equipamentos que não estavam preparados para tanta sobrecarga, gastaram a sua internet, consumiram a sua luz. Pagaram do seu bolso os consertos. E muitos, mesmo muitos, usaram o seu telemóvel para darem aulas a quem não tinha pc nem net.


Portugal não é só metrópoles, shoppings, piercings e Macdonalds. Há muita insuficiência que a crise tornou mais clara. Não ouvi um só governante dizer que o ME pôde cantar vitória porque usou equipamentos que não eram seus. E sem sequer os pedir emprestados. Não haver uma simples referência pública à gentileza, é triste. Não pelo esquecimento, mas pela fibra de que são feitos os desmemoriados.

Ninguém esperaria dinheiro, que sabemos ter dono, a Efacec, a TAP e o Novo Banco. Mas um reconhecimento sabia bem.

Entretanto, para o ano, que está perto, aprendendo com o presente, deixe-se lá essa parvoíce de permitir que os alunos não mostrem a cara durante as aulas. O direito à privacidade, em contexto de sala de aula, é uma tonteira que transforma o ensino, a aprendizagem e a avaliação numa farsa e num embuste. É muito difícil saber-se onde está o aluno, o que está a fazer e com quem troca informações antes de responder. E isso faz (a) diferença. Que assim seja num contexto privado faz sentido. Se os professores arrogarem o mesmo direito à imagem? Tem sentido dar aulas, escondendo o rosto? Julgo que não. É um absurdo, num contexto de escola. É suposto que uma sala de aula seja um espaço sagrado, e não propriamente uma casa de alterne, onde não se confia em ninguém e onde se vai para umas brincadeirinhas de gente grande.

Há verdades que têm de ser ditas A única forma de não ficarem no esquecimento. A contingência não implica negligência nem desobriga a exigência. Foi assim que aprendi a ser professor. Há 44 anos.

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Publicado em Opinião