O discurso andarilho

Portugal acaba, assim, pior do que a UE em quase tudo! Mas esta notícia passou quase despercebida, como por entre os pingos da chuva, se ela caísse.

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  • 15:13 | Segunda-feira, 05 de Setembro de 2022
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Durante meses e meses os altifalantes comicieiros venderam a ideia de que, no domínio da COVID, Portugal era o “camisola amarela”, um exemplo a seguir, um modelo a imitar, enfim, liderava o pelotão da União Europeia (EU), e não só.

Tantas virtudes para um país tão pequeno, aproximava-nos de um milagre a que só a fé conduzia, estava por demonstrar. Convinha, agora, que o discurso andadeiro se completasse com o discurso verdadeiro. Agora, que, por diploma já promulgado pelo PR, deixam de ser obrigatórias as máscaras em farmácias, transportes colectivos, táxis e aviões, 892 dias depois da primeira proibição, e nos aproximamos de uma vida normal, convivendo com o vírus com uma cautela consciente, chegou a hora de um balanço global comparativo.

O nosso país teve, até à data, mais de metade da população infectada, 5.4 milhões de pessoas e 25.000 mortos, uma média de 27.8 mortos/dia. Segundo dados insuspeitos da “Our World in Data”, uma publicação digital especializada em expor pesquisas empíricas e dados analíticos sobre mudanças nas condições de qualidade de vida, nomeadamente, saúde e educação, e reportados à situação actual, Portugal está bastante pior nos itens dos novos infectados/per capita e dos novos óbitos/per capita, e pior no item do número total de infectados/per capita, seja no quadro da UR, seja no do Resto do Mundo (RM). Só está um pouco melhor no número total de mortos/per capita. No tocante ao número total de infectados/milhão de habitantes, Portugal apresenta o valor médio de 524, o RM 75.6 e a UE 364. Quanto ao total de mortes/milhão de habitantes, Portugal alivia, e regista a média de 2.4, o RM 816 e a UE 2.5. Procurando pelos novos infectados/por milhão de habitantes, o nosso país apresenta uma hecatombe, 788, o RM 108 e a EU 194. Focando-nos nas novas mortes/por milhão de habitantes, por cá os dados são uma desgraça, andam pelos 2.14, o RM 0.37 e a UE 0.98.


Relendo, Portugal afunda-se nos itens da actualidade, infectados e mortes, e tem números miseráveis no número total de infectados. Somente no número total de óbitos, estamos abaixo da média, mesmo que por valores residuais, quase indecifráveis.

Já sei que as estatísticas não deviam ser trazidas à colação quando não são convidadas, e que as médias trazem o defeito do copo meio cheio e meio vazio, mas os números são o que são, e não enganam. E também não ignoro que não faltará quem adjective como pouco confiáveis os valores do RM, escudados no subdesenvolvimento de muitos países de África, Médio Oriente e Ásia. Mas os números estão aí e demonstram que falhámos na prevenção e no combate, fomos reactivos e andámos atrás do prejuízo. Por motivos eleitoralistas, não fechámos quando devíamos fechar e fomos tímidos e frouxos quando era expectável que fossemos duros, em nome do interesse colectivo. O poder político deu maus exemplos, nomeadamente, quando, fechado o mundo, acolheu a “Fórmula 1” e a fase final da “Champions”, que ninguém queria, enxotando o vírus como se afastam moscas, quando, numa segunda fase, hesitou no encerramento das escolas, quando se perdeu em contradições, quando tardou nas decisões mais impopulares, quando “abriu” nas festas natalícias”, quando andou ao sabor dos ventos, contrariando os peritos. E como continua a falhar no presente com os números em alta!

Portugal acaba, assim, pior do que a UE em quase tudo! Mas esta notícia passou quase despercebida, como por entre os pingos da chuva, se ela caísse.

É a nossa sina, damos sempre um passo maior do que a perna, embandeiramos em arco, exultamos com pequenos avanços, somos sôfregos nas vitórias e muito recatados nas culpas, quase invisíveis e inomináveis.

Esperemos agora que não se confirmem os piores vaticínios quanta à falta de capacidade de resposta do SNS, no Outono e Inverno, que não tarda.

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Publicado em Opinião