O açaimo

Numa sociedade cada vez mais consumista, temos uma vida marcada, em excesso, por padrões materiais, tornamo-nos objectos e máquinas, triturados pela roda da vida. E depois sobra-nos pouco tempo para ouvirmos os outros e escasseia a vontade para os compreender. Acresce a tudo isto, que, por deformação, julgamos que o silêncio é o preço que temos que pagar pelo bom relacionamento. Mas não é. E depois anda por aí tudo açaimado, calado, a remoer.

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  • 20:56 | Segunda-feira, 10 de Julho de 2023
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A crítica é, frequentemente, uma força com poder. Uma força poderosa, demolidora. Um bom motivo para o poder, seja lá onde for, se for esclarecido e diligente, não a dispensar. Mesmo que seja incisiva, forte e dura. Por vezes, injusta, inoportuna, inconveniente.

Um poder que olha de lado para a crítica não é, de todo, um poder inteligente. E um poder que não é inteligente só pode ser um poder ineficaz e improdutivo. E um poder ineficaz é um poder que não honra quem o elege e não cumpre o seu mandato. Um poder assim, não merece ser poder. Só pode ser uma ameaça. Um poder que desvaloriza a crítica é um poder distraído. E um poder distraído é um poder sem futuro. Um poder que despreza a crítica é um poder que se julga dono da opinião. E um poder assim, é um poder sem nexo, sem jeito e sem vergonha. Um poder que julga poder viver sem crítica, é um poder escorregadio, traiçoeiro, resvaladiço.

 

Podia debitar, aqui, uma série infindável de razões sobre a necessidade e a imprescindibilidade da crítica para o exercício responsável e maduro do poder. Por agora, fica só o alerta à navegação e à tripulação. Aos navegantes, aos tripulantes e aos andantes. E aos falantes.


Numa sociedade moderna e em instituições respeitáveis, não é aceitável que tantos não tenham a necessária abertura de espírito para aceitar as críticas, e conviver, saudavelmente, com elas, sem daí concluírem por inimizades, sem daí suspeitarem de traições, sem daí inferirem por infidelidades.

Discordar é um direito que assiste a qualquer um, é sinal de autenticidade e de verdade. E de maturidade. Infelizmente, nem tantos estão preparados para gerir sensibilidades, construir pontes, ouvir críticas e conviver com oposições. É que isto era tudo muito mais fácil, e mais certo, se todos abanássemos a cabeça como os cães de loiça. Uns tantos, bem identificados, não são democratas. Estão democratas, por viverem em democracia, coisa bem diferente de serem democratas. Falta-lhes, para isso, a grandeza do reconhecimento da sua pequenez. E a sua pequenez varia na razão directa da arrogância que transportam e da intolerância que alimentam. Confundem poder com abuso, misturam amizade com dependência, albardam a vontade dos outros à vontade do dono, isto é, à sua vontade.

Numa sociedade cada vez mais consumista, temos uma vida marcada, em excesso, por padrões materiais, tornamo-nos objectos e máquinas, triturados pela roda da vida. E depois sobra-nos pouco tempo para ouvirmos os outros e escasseia a vontade para os compreender. Acresce a tudo isto, que, por deformação, julgamos que o silêncio é o preço que temos que pagar pelo bom relacionamento. Mas não é. E depois anda por aí tudo açaimado, calado, a remoer.

Temos que abolir esta mentalidade, com um esforço renovado e volumoso. O progresso e o desenvolvimento são grandes desígnios, só possíveis e alcançáveis, se formos abertos, tolerantes e inclusivos. Se nos aceitarmos e nos escutarmos. Com respeito, tolerância e dignidade. É que nisto de saber estar, uns beberam o chá e outros herdaram os bules.

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Publicado em Opinião