Na base da pirâmide não há fotos

Portugal é o 2.º país com mais casos psiquiátricos e o 5.º com mais depressões na União Europeia, a atividade desportiva poderá ser uma aliada de peso para a saúde mental.   

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  • 13:25 | Domingo, 10 de Dezembro de 2023
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Viseu está de parabéns por ser, em 2024, Cidade Europeia do Desporto. Uma iniciativa que nos deve envolver a todos e que tem potencial para ser um bom investimento para o futuro, remotivando os praticantes e estimulando a captação de novos, especialmente crianças e jovens, nas diversas modalidades. Não posso deixar, porque considero oportuno e justo, neste momento, de elogiar dois programas que estimulam a atividade desportiva de alguns milhares de munícipes: Escola Ativa e Atividade Sénior. O desporto é um aliado fundamental para o desenvolvimento humano e contribui significativamente para a qualidade de vida de todos nós. A atividade desportiva poderá, entre outras mais valias, ser a chave para o combate à obesidade, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como a pandemia global do século 21 e um dos maiores desafios a combater. Portugal é o 2.º país com mais casos psiquiátricos e o 5.º com mais depressões na União Europeia, a atividade desportiva poderá ser uma aliada de peso para a saúde mental.

Ao ler a entrevista de Nuno Pedro Santos, que lidera a Associação Portuguesa das Cidades Europeias do Desporto, concedida ao Jornal do Centro (01/12/2023), chamou-me especial atenção a afirmação “Os autarcas quando há um campeão, vão todos tirar fotos com ele. Para ajudar o setor faz-se pouco.”

O dirigente terá as suas razões para fazer esta afirmação e reivindicar mais apoios. Os orçamentos sejam eles internacionais, nacionais, regionais ou municipais são finitos, há sempre opções para fazer. Mas, se o desporto, com toda a sua visibilidade e notoriedade sente dificuldades, o que dirão os dirigentes do terceiro setor?


Contrariamente aos flashes que honram os campeões e atraem, ainda que circunstancialmente, as atenções, os fragilizados, os pobres, os dependentes, os migrantes, não são merecedores de fotografias, a não ser num ou noutro momento assistencialista e paternalista, como por exemplo na época festiva que se avizinha. A aporofobia é larvar e invisibiliza as suas vítimas.

 

Por falar em desporto e pobreza, a França já está a tirar os sem-abrigo de Paris, devido aos Jogos Olímpicos de 2024, semanalmente são transportadas até 150 pessoas, em condição de sem-abrigo, para alojamentos temporários distribuídos por todo o país. O desporto é merecedor da nossa atenção e de investimento público, desde logo porque tem forte impacto na prevenção de possíveis doenças, contribuindo para a saúde e bem-estar. Uma criança que come uma refeição quente por dia (fornecida na escola) de segunda a sexta-feira (que alimentação fará durante os fins-de-semana?) poderá almejar exercitar-se na prática de uma atividade desportiva?

Na minha infância e adolescência praticar um desporto (por exemplo futebol) num clube não tinha custos, era o clube que assumia a compra dos equipamentos (treino e jogo) e assegurava o transporte para os jogos. Na atualidade, a realidade mudou, os pais têm que pagar os equipamentos, levar os filhos aos treinos e aos jogos. Poderá, em 2024, uma família que não tem como suportar as despesas básicas – alimentação, casa, transportes, energia, comunicações – incentivar os seus filhos para a prática desportiva? Talvez seja um bom momento para refletir as causas da proliferação da obesidade nas crianças que integram agregados familiares desfavorecidos. Deixo este repto para a Cidade Europeia do Desporto 2024 ao qual se poderá somar a ética no desporto para as crianças e jovens. Há tanto para fazer, como nos explica Vitor Santos (Rua Direita, 5/12/2023): “A vitória é o importante, e só têm reconhecimento os que dela participam. Está tudo errado quando assim é. Se a isto juntarmos a interferência dos pais durante os treinos e jogos (que é por norma bem mais negativa que produtiva), é assim o tipo de competição que temos nestes escalões e que está a matá-los. Não admira que os comportamentos destas crianças e destes jovens sejam desviantes e agressivos. Não compliquem, deixem as crianças fazer aquilo de que eles gostam. Deixem-nas jogar!”

Mais de metade dos inquiridos em Portugal (52%) assumem que estão interessados nas eleições europeias de 2024. De acordo com os dados deste eurobarómetro, a «luta contra a pobreza” é escolhida por 36%, como a política que mais deve ocupar os eurodeputados ao longo da próxima legislatura. 34% esperam respostas em matérias de “saúde pública”». Além das europeias, teremos também eleições legislativas, duas oportunidades para que os candidatos e futuros governantes revejam a hierarquia da pirâmide de Maslow. São muitos aqueles que acordam sem a garantia de terem comida na mesa, uma casa, um emprego, uma família.

Como podemos compreender e aceitar que num país pobre, como é Portugal, ouçamos falar de novos aeroportos, novas travessias sobre o Tejo, novas ferrovias e, simultaneamente, do aumento da desigualdade, da paralisação do elevador social, dos resultados miseráveis do PISA, da inacessibilidade à habitação, do aumento do número de pessoas em situação de sem abrigo, da normalização do recurso à chamada cama quente? A ligeireza com que alguns falam de milhões de investimento público choca com a miséria de muitos que lutam pela sua sobrevivência e da dos seus. 
      
(Foto DR)

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Publicado em Opinião