“Enguenchar, enguenchar / Para quando te vir / Te mandar rezar / Para dia de Páscoa me dares o folar / Reza.”
Esta lengalenga era dita em coro pelo par que unia os dois dedos mindinhos e baloiçava as mãos para cima e para baixo.
Quinze dias a três semanas antes da Páscoa, rapazes e raparigas iniciam o ritual de enguenchar. Esta tradição, permitia estreitar amizades, e diluir barreiras que pudessem existir entre rapazes e raparigas, que durante o resto do ano por pudor, timidez e receio poucas ou nenhumas palavras trocavam.
Permitia também o toque dos corpos, mesmo que fossem apenas os dedos mindinhos a tocarem-se! Depois de enguenchar o par (duas raparigas, dois rapazes ou um rapaz e uma rapariga) acertavam as cláusulas do contrato que tinham acabado de assumir. Primeiro combinavam qual a prenda que o que era enganado teria que dar aquele que o enganava (vencia aquele que dia de Páscoa dissesse em primeiro lugar ao outro a palavra mágica: reza).
Rapazes e raparigas de há trinta e mais anos não dispunham de dinheiro para grandes aquisições e muitas vezes tinham que dar as prendas que recebiam.
Em segundo lugar combinavam se valia debaixo de telha ou não. Esta premissa acautelava as pessoas que estavam em casa, porque se se optasse por não valer debaixo de telha, só se podia mandar rezar quando o outro estava desprotegido das telhas. No dia de Páscoa havia os madrugadores que se colocavam em pontos estratégicos escondidos nas diferentes ruas que confluem para o largo da Tulha, à espera que aquele ou aqueles que queriam enganar (era como se o predador estivesse à espera da presa) fossem para a missa, à fonte ou a uma das muitas mercearias, para depois os atacarem com um “reza” e assim ganharem a prenda que tinham acordado.
Havia também os que eram protegidos e ajudados pelos pais e irmãos que controlavam as saídas de casa e depois os avisavam.
O maior desgosto era para os distraídos que pura e simplesmente se esqueciam que era manhã de Páscoa e que por isso acabavam por ser apanhados de surpresa.
Havia aqueles, que ao deslocarem-se aproveitavam os beirais das casas (estavam debaixo de telha) e havia ainda, os que andavam o dia todo com um pedaço de telha em cima da cabeça.
Era uma festa! Mas uma festa que nem sempre era pacífica! Quantas vezes os pares acabavam por se zangar porque um deles teimava que estava debaixo de telha ou que tinha sido o primeiro a mandar rezar.
As coisas acabavam sempre por se compor, nem que para isso, tivesse que haver a intervenção de testemunhas, para esclarecer as circunstâncias em que os factos ocorreram.
Era uma festa! Uma festa que acabava sempre bem! No final do dia já se vivia a nostalgia de só daí a um ano se voltar a viver a excitação desses momentos