Mais mortífero do que o covid-19 é o virus da desumanidade!

Morreram em todo o mundo 4.600 pessoas, até agora, com o Covid-19. Mas, só de 2014 até hoje, já morreram no Mediterrâneo mais de 20.000 migrantes e refugiados, vítimas do vírus da desumanidade.

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  • 22:42 | Quinta-feira, 12 de Março de 2020
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O jornal mais asquerosamente sensacionalista que há em Portugal, o CM, chamou-lhe “A pan-histeria”. As Bolsas mundiais caem a pique, países inteiros em quarentena, milhares de voos cancelados, escolas encerradas (no mundo, um em cada cinco alunos está sem aulas, segundo a Unesco), ministros, presidentes de repúblicas, reis e até o Papa suspendem contactos com a plebe e submetem-se a exames para despistar a “peste do século XXI”. Em todo o mundo estão infectadas 125 mil pessoas. Já foram curadas cerca de 70 mil pessoas, incluíndo um dos portugueses infectados. Morreram 4.600, até ao dia em que escrevo, 11 de Março. Sabemos que a gripe sazonal, só em Portugal, na época passada, 2018/19, segundo o relatório do Programa Nacional de Vigilância da Gripe do Instituto Nacinal de Saúde Doutor Ricardo Jorge, matou 3.331 pessoas. e na época anterior, 2017/18, morreram 3.700 portugueses, quase tantas como as que morreram até agora em todo o mundo devido ao Coronavírus. O frio contribuíu para a morte de 400 pessoas, no nosso país (onde a energia é das mais caras da Europa), na época 2018/19, considerada de intensidade gripal moderada. A comum pneumonia mata 16 pessoas por dia em Portugal, ou seja, mais de 400 mortes por mês, e 11 mil por mês na Europa. O conjunto das doenças respiratórias provoca, em Portugal, 40 mortes por dia.

Não quero com isto dizer que não devamos ter cuidado, antes pelo contrário, sobretudo com os mais vulneráveis, os idosos (mais de 90% dos doentes que morrem por pneumonia, em Portugal, têm idades a partir dos 65 anos). Menosprezar os perigos desta pandemia é de uma enorme irresponsabilidade. Desde logo porque a diferença entre o Covid-19 e a gripe sazonal é que a primeira tem, segundo afirmou um especialista, uma mortalidade dez vezes superior e a sua propagação concentra-se mais no tempo, dificultando a resposta do depauperado Serviço Nacional de Saúde e porque não há ainda uma medicação eficaz, um anti-vírus para o Covid-19 (embora 80% dos casos sejam benignos) pelo que, sem entrar em pânico, devemos todos seguir as recomendações da Direcção-Geral de Saúde. Na China o número de infecções está a decrescer, mas o resto do mundo (e também a China que começa a retomar a vida normal das cidades e empresas) ainda está a importar casos, como acontece em Portugal, que em poucos dias passou de zero para 78 infecções confirmadas, embora ainda se aguarde os resultados de análises de casos suspeitos. À partida parece alarmista anunciar publicamente o número de casos suspeitos em vez de apenas os já confirmados, mas talvez o alarmismo seja necessário para alterar hábitos de higiene e de prevenção.

A este propósito devemos reflectir na denúncia de Bruno Canard, virologista, director de pesquisa no CNRS, em Aix-Marseille, que se tem dedicado aos vírus de ARN (ácido ribonucleico) de que fazem parte os coronavirus. Em 2003, quando estudavam o dengue, surgiu a epidemia de SARS (síndrome respiratória aguda grave) e então a União Europeia (UE) lançou grandes programas de investigação para tentar não ser apanhada em casos de emergência, com o objectivo de se estudarem todos os vírus conhecidos, de forma a antecipar comportamentos e modos de replicação transponíveis para vírus desconhecidos. Em 2004, esta investigação demorada e paciente começou a dar os primeiros resutados, mas, na ausência de novos surtos, a UE começou a reduzir o financiamento e a degradar as condições laborais dos investigadores, nomeadamente em França, com Sarkosy, Hollande e Macron. Os investigadores franceses uniram-se a colegas belgas e holandeses e enviaram, há cinco anos, duas cartas à Comissão Europeia a chamar a atenção para a necessidade de antecipar novos vírus. Entretanto, surgiu o Zika, mas só agora, com o COVID-19 a assustar a Europa toda é que o poder político se lembrou de voltar a pedir ajuda urgente aos cientistas que ainda não desistiram de prosseguir as pesquisas, ainda que em condições precárias de trabalho. Talvez obtenham resultados, mais cedo do que tarde, mas quantas vidas, entretanto, se perderam?…


A maior parte destas pandemias têm como causa principal a destruição acelerada dos habitats, como denuncia no The Nation e no Le Monde Diplomatique deste mês, Sonia Shah. A maioria delas (60%) tem origem animal, sendo mais de dois terços de animais selvagens, embora alguns possam provir de animais domésticos ou de criação. “(…) com a desflorestação, a urbanização e a industrialização desenfreadas, oferecemos a estes micróbios (que vivem nos animais sem lhes fazer nenhum mal) meios de chegarem até ao corpo humano e de se adaptarem.” Foi ocaso do Ébola, vírus que teve origem em diversas espécies de morcegos, nas zonas da África central e Ocidental que sofreram desflorestações, obrigando os morcegos a irem pendurar-se nas árvores de jardins e de quintais, deixando saliva em frutos ou objectos que facilitam a “passagem da barreira da espécie” para os humanos, podendo tornar-se patogénicos, como acontece também com os mosquitos (dengue). Esta passagem de micróbios dos animais para os humanos também ocorre nos mercados de animais vivos, onde se cruzam espécies que “nunca se teriam cruzado na natureza, enjauladas lado a lado”, como foi o caso, em 2002-2003 do coronavírus responsável pela epidemia da Síndrome Respiratória Aguda Severa (SARS). Mais grave, diz Sonia Shah, é o sistema de criação industrial de animais para a alimentação, amontoados uns sobre os outros, às centenas de milhares, esperando ser conduzidos ao matadouro, como provou o vírus da gripe das aves.

Morreram em todo o mundo 4.600 pessoas, até agora, com o Covid-19. Mas, só de 2014 até hoje, já morreram no Mediterrâneo mais de 20.000 migrantes e refugiados, vítimas do vírus da desumanidade. Bem pode a Organização Internacional para as Migrações, liderada por António Vitorino, clamar por rotas seguras para migrantes e refugiados, que os “democratas” que governam a Europa, poupam na investigação cientifica mas não têm pejo de pagar 6 mil milhões de euros para Erdogan, o novo sultão da Turquia, violador dos direitos humanos, fazer o trabalho sujo de enfiar em campos de concentração sobrelotados os refugiados das guerras que os países europeus e os EUA têm vindo a fomentar, quer agindo directamente, como no Iraque, quer apoiando e vendendo armas aos seus aliados, quase todos ditadores e assassinos, como os governos da Arábia Saudita e de Israel.

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Publicado em Opinião