Folio em saber ?

    A literatura tem mais de 4 000 anos. Não é por ser antiga que esta forma de arte é boa e importante. Mas ser antiga diz-nos que alguma coisa a torna importante para nós – ou já a teríamos abandonado. O que faz por nós a grande literatura? Tira-nos de nós. Liberta-nos do […]

  • 22:04 | Quinta-feira, 15 de Junho de 2017
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A literatura tem mais de 4 000 anos. Não é por ser antiga que esta forma de arte é boa e importante. Mas ser antiga diz-nos que alguma coisa a torna importante para nós – ou já a teríamos abandonado.


O que faz por nós a grande literatura?

Tira-nos de nós. Liberta-nos do cárcere do Tempo, da condição humana, da realidade, do aqui e agora. Leva-nos e vamos com ela, sem saber como ou para onde, ao encontro de outros mundos, personagens, histórias maravilhosas, assustadoras, trágicas, inimagináveis, cruas,  ternas, fantásticas ou simplesmente humanas. E depois traz-nos até nós, de novo, transfigurados.

A literatura e os seus livros fazem o nosso mundo grande, o nosso tempo infinito, a nossa vida única e a nossa leitura emocionada, como quando tropeçamos num grande poema, por exemplo.

A literatura, e os seus livros são – em todo o mundo – motivo de celebração.

E em Portugal celebrar o livro é lê-lo, conhecê-lo e às gentes que gravitam em torno do mundo da literatura: autores, editores, livreiros, ilustradores, educadores, leitores.

Celebrar o livro é cruzá-lo com criativos, jornalistas, músicos, pensadores e decisores. E fazê-lo de toda a forma: grande, mágica e bela.

Celebrar a literatura é convocar o melhor, mesmo o melhor do mundo, para uma pequena localidade da “província” e aí – durante 10 dias – fazer acontecer.

Trazer nórdicos com ar de quem aproveita a vida vestidos de qualquer maneira, que riem, comem, bebem e vivem. E brasileiros e espanhóis e gente de língua musical. E o resto do mundo.

O melhor do mundo ao alcance da nossa mão e olhos, a falar pela primeira vez de cruzamentos em torno de um tema pensado para nos dar algo único, precioso e inolvidável. Como a aula sobre Ruy Belo que António Feijó teceu no escuro de uma tenda gigante apinhada, onde muitos assistiram – como eu – de pé, sem arredar os olhos ou a alma do fio ininterrupto da claridade do discurso de quem fala como respira: uma respiração com o primordial sentido de tudo quanto já existia e ainda não sabíamos.

Tudo isto é felicidade, tudo isto é literatura, tudo isto é Folio.

Depois de duas edições repletas de êxito em 2015 e 2016 – milhares de turistas nacionais e estrangeiros – uma qualidade criativa superlativa, uma organização estupenda, a criação de novos públicos, depois dos grandes que pisaram Óbidos – dos prémios Nobel da Literatura aos grandes da música e do pensamento – depois disto, era bom demais para ser verdade. Eis que  vem lá o terror português: a coisa pequenina, mesquinha dos territórios e do meu quintal tem de ser melhor que o teu.

O financiamento generoso – que permitiu durante duas edições ter um acontecimento verdadeiramente extraordinários em Óbidos –  é amputado. O DN conta:  “a CIM votou por maioria que o dinheiro que seria para atribuir ao Festival Literário de Óbidos iria desta vez para o surf”. Daí que quantifique a quebra de apoio como “total”. Explica: “Passámos a ter zero euros do grande patrocinador que era o Turismo do Centro de Portugal.” A CIM é a  Comunidade Intermunicipal que reúne os municípios do Oeste.

Mas digam-me: alguém acredita, sinceramente, que daqui a 4 000 anos haverá um festival internacional para celebrar o surf?

 

(foto DR)

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