Do outro lado do ódio

Temos para nós que ser de esquerda é negar todo o tipo de xenofobia, racismo, discriminação. Mas isso não é completamente verdade. Os maoístas, estalinistas, castristas, que também se diziam de esquerda, foram tão, ou mais, racistas e xenófobos do que Hitler ou Mussolini.

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  • 15:28 | Segunda-feira, 19 de Junho de 2023
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Retiremos os professores, enquanto classe profissional disto, o que aconteceu no Dia de Portugal foi um ato vergonhoso de um conjunto de extremistas, ditos de esquerda, que usaram os mesmos argumentos e a mesma forma de atuar dos movimentos fascistas.

Em Portugal sempre existiram os chamados núcleos de resistência. Eles andaram muito ativos nos anos seguintes à consolidação democrática e pluralista da Revolução, apoiaram a ação bombista das FP25. Estiveram próximos das fundações do Bloco de Esquerda, muitos deles entraram mesmo no movimento e, depois, no partido. O PSR nunca rejeitou a ação armada anterior, apoiava veladamente grupos e regimes estrangeiros que financiavam o terrorismo.

Durante muitos anos, militantes e dirigentes do PSR e do BE integraram os movimentos anticapitalistas e antiglobalização que transitavam entre continentes e cidades, apoiavam as invasões dos Sem Terra e, em muitas situações, os raptos que radicais desses movimentos iam fazendo. Sempre que havia um encontro de alto nível (Davos era o santuário do mal e o Clube de Bilderberg o antro de Goebbels) os radicais reuniam-se e partiam tudo o que encontravam, confrontavam a política, batiam no simples transeunte que lhes negasse guarida. Lembro-me de portugueses vários que foram do Bloco de Esquerda e que nunca deixaram de saber usar a pedra da calçada como instrumento dirigido à cabeça de um polícia.


É verdade que o Bloco, com Louçã, Fazenda, Semedo e Catarina, se foi aburguesando, normalizando. O radicalismo das suas intervenções nas Conferências e Mesas Nacionais, olhando para dentro, era sempre muito mais incitante à luta do que os discursos no Parlamento ou nas televisões. Mas o BE sempre teve, tem, linhas muito fortes de terrorismo mental e onde vivem, também, militantes que anseiam a luta armada.

O novo sindicalismo radical, pela forma como atua, é igual ao sindicalismo fascista italiano da década de 1920. Neste tempo corrente só não usam uniforme, não marcham todos em conjunto, não constituíram, para já, milícias. Mas a forma do discurso, as palavras de ordem, os apelos revolucionários, o sentido da marcha, são muito parecidos.

O inenarrável Dr. Pestana sobe para um carro e lança uma verborreia insultuosa e mentirosa. Os seus olhos destilam ódio e o discurso debita palavras de incitação à violência. O problema é que, como no fascismo, o mal alastra sem que se dê conta, gente cordata vê-se no meio de um turbilhão animalesco que nunca teria pensado existir dentro de si.

 

Temos para nós que ser de esquerda é negar todo o tipo de xenofobia, racismo, discriminação. Mas isso não é completamente verdade. Os maoístas, estalinistas, castristas, que também se diziam de esquerda, foram tão, ou mais, racistas e xenófobos do que Hitler ou Mussolini. É por isso que há muito boa gente que, quando mete todos os socialismos no mesmo saco, demonstra um total desconhecimento da História. O socialismo democrático português, o trabalhismo inglês, a social democracia alemã, nas formulações que conhecemos nos últimos 80 anos, são o espaço onde a liberdade, todas as liberdades, mais se fizeram sentir, eliminando um outro mal que nas direitas sempre existiu – o elitismo e as castas de mando.

Temo que com a eleição de Mariana Mortágua se assista a um retrocesso no Bloco, que este volte a ter a ação armada como predefinição mental. O seu estilo só é cordato no Parlamento ou na conversa de café. Somos nós e a nossa circunstância (como desgosto de citar Ortega…) e a ausência de uma vida para além da genética, da rua e da ação partidária desqualificam para uma visão larga, para uma prudência no discurso e na ação. Talvez Rosas, Cardina, Costa ou Pureza ainda possam ajudar a manter tudo nos eixos.

O que é verdade é que nunca vimos, desde que o BE tem representação parlamentar, um linguajar tão rasteiro como o que os seus parlamentares têm usado nas questões que dizem respeito, por estes dias, a Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes e João Galamba. Nem uma certa proximidade pessoal, que existiu no passado, refina as palavras que são usadas. Os trotskistas sempre foram assim, se for necessário use-se “a violência para tomar o poder”.

A pergunta que se faz é a de se saber se é mais perigoso o PCP do que o BE para a democracia liberal que conhecemos. Os dois partidos não têm comparação. O centralismo democrático, o envelhecimento e a ausência de respaldo internacional, que marcaram o PCP das últimas décadas, fizeram dele um partido acomodado ao sistema, jogador das regras e formal no uso das reivindicações. Podemos não gostar de Mário Nogueira, mas este sindicalista manteve as suas estruturas dentro das balizas do minimamente aceitável e nos professores isso não será fácil.

O PCP, se olharmos para a longa marcha contra o Salazarismo, fez sempre a luta observando a construção de uma nova sociedade, de um homem novo. Não lhe bastava derrubar Salazar se não se construísse um outro país de cima a baixo. Por isso, a luta armada foi residual, na maior parte das vezes promovida por anarquistas. Os aventureiros dos assaltos e das bombas, fora do controlo do partido no interior ou na clandestinidade, eram negados e expulsos. O PCP é, portanto, uma outra coisa.

Quando olhamos, com preocupação, para a realidade dos movimentos da extrema-direita em Portugal (há vários), devemos não esquecer que em toda a Europa eles sempre existiram. Primeiro dentro dos partidos conservadores e democratas cristãos, agora, cansados de não terem a chefia desses partidos de sistema, na estruturação de novas formações populistas, demagógicas, racistas, xenófobas. .

Não devemos esquecer, porém, que há movimentos que se dizem de esquerda, que propalam ter a ambição da igualdade, mas cujo objetivo é regressar a uma ordem em que o totalitarismo se afirma e os países definham na economia e na criatividade, retirando a alma ao Homem.

Importa, neste tempo, que o Bloco se salve. Importa que as obsessões que querem negar a moderação se não transformem num caminho para a entrega do poder, por muitos e bons anos, à intolerância. Em Espanha está prestes a acontecer, o Podemos caminha para a total irrelevância.

Gostaria de ver Mortágua a saltar ao caminho e a condenar vivamente o que aconteceu no 10 de Junho com o primeiro-ministro, mas não vi. Fez como outros no lado oposto do Parlamento, foi igual na ausência de uma defesa vigorosa das instituições democráticas e dos seus representantes por mero oportunismo. Ou talvez não, talvez esteja a regressar o elogio da barbárie que foi a contrarrevolução de Outubro de 1917…

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Publicado em Opinião