Há expressões que parecem atravessar o tempo guiadas por uma luz antiga, como se fossem pequenas bênçãos escondidas na língua. “Saber coisas do arco da velha” é uma dessas expressões que, mesmo repetida sem pensar, ainda carrega um rasto do sagrado. Quem a ouve imagina logo histórias tão fabulosas que roçam o impossível, mas talvez esse impossível seja justamente o espaço onde Deus sempre se revelou ao longo dos séculos.
Com o tempo, “saber coisas do arco da velha” tornou-se sinónimo de conhecer histórias tão extraordinárias que parecem tiradas de tempos em que Deus andava mais perto, quando os milagres eram sinais quase diários e o mundo ainda estava a aprender a obedecer à voz do Criador. São relatos que cheiram a mistério, a intervenção divina, a maravilhas que nenhum racionalismo consegue conter. Histórias que ninguém garante serem factuais, mas que todos sentem como possíveis, porque a fé reconhece bem aquilo que ultrapassa a simples lógica humana.
No fundo, a expressão sobrevive porque carrega uma saudade espiritual: a saudade de um tempo em que o ser humano reconhecia mais facilmente o divino na vida diária, quando cada fenómeno natural podia ser sinal, lição ou aviso. Saber “coisas do arco da velha” é, de certa forma, admitir que ainda acreditamos no prodígio, no mistério, no sopro de Deus que atravessa a história e o coração humano.
E talvez seja essa a razão mais profunda da sua persistência. Todos nós, de quando em quando, precisamos de uma história do arco da velha para recordar que viver não é apenas explicar. É também confiar, agradecer e reconhecer que há muito mais no mundo do que aquilo que os olhos conseguem ver.
Paulo Freitas do Amaral
Professor, Historiador e Autor