D. Américo

Sendo convidado - há comunistas crentes - iria o cardeal a uma iniciativa similar do PCP? Ou do BE? Ou do Chega, cujo líder pensa ter uma missão divina na Terra, um enviado de Deus, um missionário sem hábito, o 4.⁰ pastorinho de Fátima? Só sua Eminência saberá a resposta.

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  • 13:44 | Segunda-feira, 21 de Julho de 2025
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Podem vir os párocos, os ordinários da diocese, o patriarcado, até os corifeus do Vaticano, todos juntos numa cantada ladainha e de cruzes em punho, afiançarem a injustiça do juízo, mas o cardeal, sem pôr em causa os seus méritos, não é figura que me entusiasme.

Há qualquer coisa nele que me faz desconfiar, não sei bem o quê, mas há. Sinto-o. Já assim era dos tempos em que exibia publicamente a sua amizade com Pinto da Costa. Talvez aquela atracção pelas câmaras, pelo palco, talvez a opinião fácil, o gosto doentio pela entrevista, a pouca discrição, a comunicação social sempre atrás, num espalhafato que incomoda.

Não é que eu defenda uma Igreja ensacristada, limitada ao adro e à torre sineira, não, nada disso, antes pelo contrário. Não sou a favor de uma Igreja ligada apenas ao perímetro das almas, enredada em orações e penitências, vivendo numa cápsula espiritual, longe de tudo, como se a missão apostólica da Igreja se reduza a rezas e à redenção dos pecadores.

A Igreja, mais do que a catequese e a salvação dos penitentes, deve ser interventiva fora dos templos, ter obra social, estar junto dos descamisados, dos desprotegidos, dos excluídos, sentar-se à mesa dos que não têm pão. A Igreja deve ser de portas abertas, e não pode viver inclinada, num conforto por vezes difícil de entender.


Vem isto a propósito da presença de D. Américo Aguiar nas jornadas parlamentares do PSD-CDS. Não havia necessidade. A mensagem até pode ter sido de esperança, quiçá, de crítica ao poder, que governa. Pode ter sido independente, de denúncia dos males do presente – não ponho em dúvida -, mas era escusado.

Tudo isso podia ter lugar numa homilia, numa mensagem, numa pastoral. Prestar-se à presença, num momento partidário, abriu uma caixa de Pandora, com ventos difíceis de suster e efeitos impossíveis de evitar.

Lembro-me dos tempos em que dos púlpitos, profanando Deus e a doutrina ecuménica da Igreja, se fazia a apologia das indecifráveis virtudes do Estado Novo e se apostrofava o socialismo e o comunismo, diabos à solta, merecedores de excomunhão.

Sinistros tempos, esses. A Igreja não pode, não deve, ter presença em iniciativas partidárias, sob pena de ter de ir a todas, ou, não indo, com isso dar pública nota de inconveniências inoportunas e indesejáveis.

Sendo convidado – há comunistas crentes – iria o cardeal a uma iniciativa similar do PCP? Ou do BE? Ou do Chega, cujo líder pensa ter uma missão divina na Terra, um enviado de Deus, um missionário sem hábito, o 4.⁰ pastorinho de Fátima? Só sua Eminência saberá a resposta.

Coisa diferente, é fazer política – a arte de mudar a vida das pessoas, mexer com o bem-estar e a qualidade de vida dos cidadãos, fazer crescer e desenvolver os países, promover o respeito pelos direitos humanos e a inclusão.

Aí, nessa esfera, a Igreja deve fazê-lo, empenhar-se na tarefa, sem pruridos, nem reticências, investir nas coisas terrenas, nas dificuldades do mundo mortal. Sair da sacristia, desparamentar-se. Sem pálios. Uma Igreja socialmente comprometida, mas discreta e eficaz.

Política, todos nós fazemos, num gesto, numa atitude, numa palavra, política partidária é um pouco mais, um vínculo com uma facção, um caminho que se escolhe, que gera adversários e oposição. Uma linha que a Igreja, para ser de todos, não deve pisar.

Talvez o governo tenha exultado com o que a todos pareceu uma colagem. Não apreciei o que o cardeal fez, nem um pouco. Mais temperança ficava-lhe bem. Honrava melhor o barrete cardinalício. Sem borla.

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Publicado em Opinião