Coronel Armindo Girão

Urge resgatar do esquecimento e da obscuridade para onde foi mergulhada, a figura incontornável de Armindo Girão, homem de bem, republicano convicto e de grandes princípios morais e cívicos. Um exemplo a reter. Preciso era que Viseu, a cidade que o viu nascer e morrer, onde prestou serviço militar e teve ativa intervenção cidadã, lhe renda a devida homenagem. 

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  • 19:01 | Quarta-feira, 03 de Maio de 2023
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    Eram oito horas da manhã do dia 16 de Janeiro de 1868 quando, na Rua Nova[1], em Viseu, a casa de José António Girão e Maria Augusta Cunha Guimarães foi acordada com vagidos de recém-nascido. Maria Augusta tinha acabado de trazer ao mundo o seu terceiro filho. Ao António de 5 anos e à Elvira com três juntava-se agora Armindo, batizado solenemente na Catedral da cidade beirã a 6 de Fevereiro[2]. Tinham passado quinze dias do seu nascimento.

Pouco se sabe da meninice de Armindo Augusto Girão Guimarães, seu nome completo, mas podemos imaginá-lo em correrias felizes, batendo as botas no empedrado granítico das ruas sinuosas subindo para a Sé. Talvez dum bocado de madeira perdida fizesse uma arma e se imaginasse um valoroso soldado numa guerra distante. Muitos anos depois, Armindo integrará, na arma de Artilharia, o Corpo Expedicionário Português e batalhará em França, naquele que foi o primeiro grande e transformador conflito armado do século XX. Sabe-se, sim, que, no ano lectivo de 1880-81, aos 12 anos ingressava no 1º ano do Curso Geral dos Liceus[3], ministrado no Liceu alojado numas salas do Paço dos Três Escalões, paredes meias com a Sé. Nos três anos lectivos seguintes, Armindo foi um vulgar aluno liceal, percorrendo as ruas estreitas da sua cidade natal, subindo inclinadas ladeiras que, da rua Direita. onde agora morava, o levavam ao vetusto edifício, pensado e mandado construir pelo bispo renascentista D. Miguel da Silva, morada provisória do Liceu que tinha como patrono o bispo liberal Alves Martins[4].

Terminado, com sucesso, o curso geral dos Liceus, chegara o tempo das grandes decisões. O sonho militar começara bem cedo e a carreira castrense surgia como a hipótese mais plausível. E, num dia quente do início de Agosto de 1884[5], Armindo, com 16 anos, assentava praça na arma de Artilharia, trocando Viseu por Vendas Novas. Quatro anos depois, em 1888, terminava o 3.º ano do 2.º curso da Academia Politécnica do Porto[6]. Em 1891, o 2.º sargento aspirante, Armindo Girão, estava colocado em Santarém, no regimento de Artilharia 3, conforme se depreende duma carta datada de 13 de Outubro desse ano, onde, por ter completado o 3.º ano da Academia Politécnica, “como prova pelos documentos junto”[7], solicitava “ que lhe seja abonado o vencimento de 500 reis diários”[8].


No início da idade adulta, Armindo Girão pensou que seria hora de constituir família e os seus olhos pousaram na menina Lucinda de Salles Marques, sua conterrânea, três anos mais nova, a quem em Maio de 1891, enviava a primeira carta. A 3 de Novembro de 1893, o sargento aspirante, promovido a 2.º tenente, era colocado no Regimento de Artilharia 2, em Vendas Novas[9] onde, entre 1893 e 1894, realizou o curso prático de tiro “para subalterno”(sic)[10].

Armindo, porque a sua situação económica fosse mais desafogada e reunisse as condições necessárias para constituir família, a 4 de Janeiro de 1894 pedia Lucinda em casamento. Porém, para a realização do matrimónio vários passos tiveram de ser dados. A 8 de Outubro solicitava autorização de casamento[11]. A noiva, por seu turno, foi sujeita a um processo – cível e canónico – de reconhecimento de boa conduta moral, cívica e espiritual, tendo o pároco da freguesia Ocidental de Viseu[12] e o Administrador do Concelho[13] atestado favoravelmente. Finalmente, a 11 de Outubro, o Ministro da Guerra autorizava o enlace[14]. Com vinte e seis anos de idade, o 2.º tenente Armindo Girão unia a sua vida a Lucinda que completara 23 anos em Agosto. E, no dia 17 de Novembro, apesar do frio, os sinos da Catedral de Viseu, repicaram alegremente e com mais força, anunciando um novo matrimónio[15]. No Verão do ano seguinte o casal seria agraciado com o nascimento do primeiro filho. Uma névoa trágica não tardou a ensombrá-lo. Se, com quase um mês de vida, ia Setembro a meio, o menino fechava para sempre os olhos[16], a carreira de Armindo Girão progredia. A 14 de Novembro de 1895 era novamente promovido, desta vez a 1.º tenente[17]. Nos anos seguintes a felicidade voltava a sorrir em casa de Armindo Girão e Lucinda Salles Marques. Em Viseu, nascia, a 30 de Julho de 1896, a primeira filha, a quem foi dado o nome Alda Maria e dois anos depois, a segunda filha, Maria Heloísa, a 27 de Dezembro de 1898[18].

 

Em 1899, com a transferência do regimento de Artilharia 2 para a Figueira da Foz, a família do 1.º tenente Armindo Girão instalava-se na cidade onde o rio Mondego, jorrado das entranhas da terra na Serra da Estrela, se aninha nas águas azuis do Oceano Atlântico. Aqui ir-se-iam abrir para a vida as três outras filhas do casal: Maria Armanda (12 de Dezembro de 1899), Maria Helena (13 de Julho de 1901) e Maria Teresa (25 de Junho de 1902). A prole ficaria completa com o nascimento do último filho, Armando José, a 6 de Novembro de 1906[19]. Contudo, e perante uma anotação na agenda pessoal, percebe-se que em Julho de 1905, com 5 meses, teria falecido um outro rapaz[20].

Os cerca de quinze anos que o militar Armindo Girão viveu na Figueira da Foz não se limitaram à carreira castrense, bem pelo contrário. O ideal republicano, como uma sua segunda pele, levou-o a ter uma intervenção cívica muito ativa na comunidade figueirense.

A 29 de Dezembro de 1906, por doze anos de serviço efetivo como «subalterno», foi-lhe concedida uma diuturnidade[21]. No ano seguinte, a 25 de Junho de 1908, “nos termos do art.º 22.º do Regulamento Geral para os Serviços dos Corpos do Exército”, passou a “ajudante do 2.º grupo”[22]. Em 1910, o ano da Implantação da República, encontrava-se a frequentar, em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, “o curso prático de tiro para subalterno”[23], que concluiu com êxito, passando a ajudante do regimento de Artilharia 2,  por nomeação de 30 de Junho[24].  Um ano mais tarde, a 8 de Junho de 1911, o tenente Armindo Girão foi novamente promovido, desta vez à patente de Capitão[25]. Em 1912, o Capitão Armindo Girão “tomou parte” (sic) nas Escolas de Recrutas e de Repetição [26], o mesmo acontecendo no ano seguinte, só que, em 1913, como Director de instrução da Escola de Recrutas[27] e instrutor na Escola de Repetição. Em 1914, volta a ser instrutor na Escola de Recrutas.

Os anos da Figueira da Foz foram de grande vivência cívica e de militância republicana, esperando vigilantemente a queda da monarquia e a instauração do novo regime, que tardava, almejada panaceia para todos os problemas de que Portugal padecia. Depois da tentativa de instauração da República, a partir do Porto, a 31 de Janeiro de 1891, e apesar da perseguição impiedosa de que foi vítima, o Partido Republicano crescia em número de militantes e na vontade de acabar com um regime considerado obsoleto, exacerbado pela ditadura administrativa de João Franco. Assim, a 28 de Janeiro de 1908, três dias antes do Regicídio, o Partido Republicano Português juntamente com a Dissidência Progressista tentaram um golpe de estado – Golpe do Elevador ou Intentona do Elevador – prontamente gorada pela atitude preventiva do governo. Porém, os revoltosos contavam, um pouco por todo o país, com o apoio dos militares republicanos, como os que estavam aquartelados nas baterias de Artilharia 2, de entre os quais o tenente Armindo Girão. Mas, deixemos falar os intervenientes:

No caso das baterias de artilharia da Figueira da Foz virem sobre Coimbra, sabíamos que lá havia alguns oficiais republicanos, tais como capitães Almeida e Fialho, tenentes Armindo Girão e Andrade com os quais nós contávamos. Finalmente, vieram notícias de que em breve se efetuaria a revolução (…). Inesperadamente, chegam-nos notícias que o movimento tinha sido delatado e que haviam sido feitas apreensões e algumas prisões (…).Sabíamos que a família reinante deveria regressar de Vila Viçosa e que alguma coisa haveria (…). Os regimentos estavam de prevenção. Forças circulavam por diversos lugares (…). Iam efetuar-se prisões (…)[28].

Um ano depois da instauração da República, a 24 de Agosto de 1911, a cidade da Figueira da Foz assistia à solene inauguração do monumento a Manuel Fernandes Tomás, um dos homens do Sinédrio e na linha da frente da vitoriosa Revolução de 1820. “ Frente à estátua, formava, «com todo o garbo», o Batalhão de Voluntários com a Banda dos 23 chefiado pelo Capitão Girão [marcando presença] várias coletividades como a Associação Comercial, a Cooperativa Fernandes Tomás, a Associação de Instrução Popular, o Centro Cândido dos Reis, O Grupo da Juventude Republicana Bernardino Machado, o Grémio Fernandes Tomás[29] e o Grémio Evolução”.[30]

O militar republicano e maçon Armindo Girão intervinha, pois, ativamente na vida coletiva da cidade. Foi sócio honorário do Ginásio Clube Figueirense[31] onde, em 1907, era professor de ginástica[32], e presidente da Associação de Instrução Popular, fundada em 1902, desempenhando um papel inexcedível ao pugnar pelo direito à educação e instrução dos mais necessitados. Não por acaso, a propósito do sucesso obtido por alunos daquela associação no exame do “1.º grau da instrução primária”, um jornal local procurava traçar-lhe o retrato.

O trabalho do Capitão Girão na Associação de Instrução Popular durante a sua gerência tem sido admirável. Nem outra coisa era de esperar do inteligente e briocíssimo militar e fervoroso patriota que é o Girão que (…) se pode dizer que conquistou nesta cidade uma situação de destaque no respeito e na estima geral. Tem o Girão inimigos na Figueira? Deve ter (…). Mas a verdade é que, tendo sido ele sempre um republicano combatente e decidido e tendo seguido sempre bem definida orientação partidária, com a sua decisão de homem de carácter, nem por isso ele deixou de merecer a maior estima e toda a admiração dos adversários dignos[33].

Segundo algumas fontes, Armindo Girão conhecia de perto o método de leitura e escrita de João de Deus, consubstanciado na Cartilha Maternal[34]. Comungava do mesmo desígnio quanto à alfabetização e cedo aderia ao projeto da «Associação das Escolas Móveis pelo Método João de Deus», fundada por Casimiro Freire a 18 de Maio de 1882, secundado por ilustres figuras do republicanismo como Bernardino Machado, Magalhães de Lima ou Ana de Castro Osório[35]. Não por acaso, quando em 1914, era inaugurado, na Figueira da Foz, o 1.º Jardim-Escola João de Deus, o Capitão Armindo Girão figurava entre as individualidades convidadas como representante da Associação de Instrução Popular[36].

Mas o reconhecimento figueirense do papel desempenhado pelo Capitão Girão em prol da República e do seu ideário consubstanciava-se na atribuição do seu nome ao Centro Republicano instalado em Buarcos. A inauguração contou com a presença de ilustre dignitários, como Afonso Costa. “Nas paredes (…) viam-se o busto da República e os retratos de Afonso Costa e do Capitão Girão”[37]. Ao tomar da palavra, Armindo Girão, “vivamente emocionado e comovido, agradeceu à comissão a lembrança que teve de dar aquele centro o seu nome, quando é certo que o de muitas outras individualidades em destaque no partido republicano português podiam ter sido escolhidas para tal fim”[38]. O articulista, ao mencionar a influência da Maçonaria[39] na atribuição do seu nome àquele Centro Republicano, não deixa de o considerar «um liberal e convicto republicano», referindo os elogios que lhe foram dirigidos pelos intervenientes na cerimónia de inauguração. 

“Tendo todos palavras de muito louvor para com a comissão iniciadora da criação do centro, enaltecendo ao mesmo tempo as qualidades do distinto oficial do exército português e o seu acrisolado amor pela República (…) visto tratar-se de um republicano que (…) tem trabalhado para o engrandecimento da Pátria (…)[40].

Fazia um ano que a guerra grassava na Europa, ensopando de sangue os campos e povoações da Flandres, bem como o nordeste francês. Esgotava-se também o tempo da Figueira. A 23 de Agosto de 1915, o Capitão Armindo Girão recebia ordem de marcha. Regressava à sua cidade natal, passando a residir no nº 9 da Rua João de Barros[41]. Fora colocado no Regimento de Artilharia 7[42], aquartelado em Viseu desde 1911[43], instalado no antigo Seminário Diocesano, em Santa Cristina. A 1 de Dezembro de 1916 seria promovido a Major[44]e colocado no “1º. Grupo desse Regimento”[45]. Integrado no Corpo Expedicionário Português, embarcaria para França, por via marítima, a 15 de Março de 1917[46].

 

 

Iniciado a 28 de Julho de 1914, o primeiro grande conflito armado do século XX pôs em confronto duas conceções imperiais: de um lado, a Grã-Bretanha, a França e a Rússia que constituíam a «Tríplice Entente»; do outro, a Tríplice Aliança agrupava os Impérios Centrais Europeus – Alemanha, Áustria-Hungria e, inicialmente, a Itália. Portugal, uma República recente numa Europa monárquica, com colónias vítimas da cobiça alemã, aliado de longa data de Inglaterra e necessitando de ser um parceiro credível no concerto das nações, escolheu o seu lado na guerra: – a Tríplice Entente. Sem tomar parte direta no cenário europeu, os primeiros contingentes portugueses mobilizados para a guerra em África partem de Lisboa no verão de 1914. Quer no norte de Moçambique, quer no sul de Angola enfrentaram as tropas alemãs sequiosas por abocanhar território sob o domínio português. Dois anos depois, a 6 de Março de 1916, quando a guerra de trincheiras fazia parte do quotidiano, a Alemanha declarava guerra a Portugal. O governo da «União Sagrada», no poder desde o dia 15 desse mês, insistia na tese intervencionista, com o Ministro da Guerra, general Norton de Matos, a publicar um documento em que esclarecia a posição de Portugal no conflito. A 15 de Junho, a Inglaterra convidava formalmente Portugal a tomar parte ativa nas operações militares aliadas, sendo constituído o Corpo Expedicionário Português. A partida para o cenário da Flandres seria uma realidade[47].

Uma vez na Flandres, depois de um «estágio de instrução», o Major Girão foi destacado para o comando da 245.ª Brigada de Artilharia da 49.ª, divisão do XI.º Corpo do Primeiro Exército Inglês[48], estacionada na comuna de Lavantie. A 17 de Maio, marcharia para a frente de combate – Front – sector de Fauquissart. Aqui “tomou parte em todas as operações realizadas pelo grupo do seu comando (…) desde 17 de Maio a 2 de Junho”[49]. Entre 3 e 12 de Junho combateu no sector de Ferme du Bois II [50], regressando a Fauquissart, onde permaneceu de 13 de Outubro a 1 de Fevereiro de 1918[51]. Em Outubro de 1917 obteve a sua primeira «licença de campanha». Foram vinte dias longe da frente de batalha[52]. Promovido a Tenente Coronel por Decreto de 16 Fevereiro de 1918, foi colocado no Estado Maior de Artilharia de Combate [EMAC] e passou a comandar o 1º. Grupo do Regimento de Artilharia 7[53].

A 15 de Março de 1918 foram-lhe concedidos cinquenta e três dias de «licença de combate». Teve, assim, oportunidade de, por breve tempo, regressar a casa, encontrando-se em Portugal quando, a 9 de Abril, o sector português era massacrado na Batalha de La Lys. Incomodado e desiludido por não estar junto dos «seus homens», a 30 de Abril o Tenente-Coronel Armindo Girão pretendeu interromper as suas férias e regressar a França. Porém, a situação política tinha mudado. Por um golpe militar, os «guerristas» tinham sido substituídos no poder, que passara para as mãos de Sidónio Pais, um consabido adversário da entrada de Portugal na guerra ao lado da Inglaterra. Armindo Girão foi mandado apresentar no seu regimento de origem, em Viseu,[54] aqui permanecendo até regressar ao serviço do CEP e receber ordem de marcha para a frente de combate. Acabou por seguir para França, desta vez por via terrestre[55], a 26 de Setembro de 1918, sendo colocado na Divisão de Artilharia de Combate [DAC][56]. A 5 de Novembro, nas vésperas do Armistício, o Tenente Coronel Armindo Girão apresentava-se no Quartel General Britânico para “desempenhar interinamente as funções de juiz auditor do Tribunal de Guerra [TG]”[57]. Dez dias depois cessou aquelas funções regressando ao seu posto inicial[58].

O tempo do enfrentamento bélico estava a terminar. A Guerra caminhava para o seu ocaso e Armindo Girão cumprira 367 dias na frente de combate[59]. A 11 de Novembro de 1918, num vagão-restaurante em plena floresta de Compiègne, era assinado o Armistício. Porém o tratado de paz entre as potências beligerantes só seria concretizado em Versailles a 10 de Janeiro de 1920. Contudo, entre a assinatura do Armistício e o Tratado de Paz de Versailles, as tropas permaneceram em alerta, por se temer um retorno às hostilidades.

A 8 de Dezembro de 1918, o Tenente Coronel Armindo Girão era nomeado presidente da comissão de escolha de solípedes[60]. Em finais de Janeiro do ano seguinte, no mesmo dia em que finalizava o trabalho naquela comissão, era nomeado Comandante do DMB2[61], assumindo o comando três dias depois[62]. A 21 de Abril volta a ser chamado para prestar serviço como júri do Tribunal de Guerra junto do comando militar[63]: Em Maio foi “nomeado presidente da Comissão para exame das construções em Ambleteuse e propor qual o material que convinha ser vendido em França e qual o que deveria ser enviado para Portugal”[64].

A 1 de Junho de 1919, o Tenente Coronel Armindo Girão assumia o comando militar do Campo de Ambleteuse[65]. Dias depois era nomeado Presidente de Vendas dos Abarracamentos daquele Campo[66]. A 24 de Junho, como Presidente de Vendas dos Abarracamentos de Ambleteuse, seguiu para Paris, onde permaneceu quatro dias. Com a extinção do DCMCA, passou a acumular as funções de comandante militar com as de presidente da Comissão de Vendas[67], ficando a aguardar o repatriamento[68], o que aconteceria a 3 de Outubro, desembarcando em Lisboa a 17 do mesmo mês.

A chegada do CEP às trincheiras em França obrigou o exército português, à semelhança dos outros exércitos intervenientes, a organizar os seus serviços de saúde, nomeadamente o tratamento e cuidado dos feridos em combate. Desta forma, para além dos «Postos avançados» nas trincheiras e de um serviço de ambulâncias, para transporte de feridos e doentes até aos Hospitais de sangue, havia os chamados «Hospitais de retaguarda» – base 1 e base 2 – construídos no campo de Ambleteuse, a par do chamado «Depósito de combatentes».

Desde o eclodir do conflito mundial que a Sociedade da Cruz Vermelha Portuguesa se colocara ao serviço de Portugal no socorro aos feridos de guerra. A oferta humanitária foi prontamente aceite desde que a instituição ficasse sob a superintendência e fiscalização das autoridades militares. Ora, foi também em Ambleteuse que a CVP instalou o seu hospital. Construído entre 1917 e 1918 era constituído por vinte barracas de madeira, cada uma delas com capacidade para sessenta camas, pelos serviços de cirurgia, de Raio-X e os laboratórios. Ainda não estava terminado quando, a 9 de Abril de 1918, na sequência da Batalha de La Lys, recebeu os primeiros feridos. Depois do Armistício, foi decidido manter o hospital em funcionamento, com a função de acolhimentos do prisioneiros portugueses libertados. Contudo, a 19 de Janeiro de 1919, as autoridades militares, em consonância com as chefias da CVP, optaram pelo seu encerramento definitivo. Durante o tempo em que esteve ao serviço de Portugal – entre Abril de 1918 e Janeiro de 1919 -, o hospital, que acolheu fundamentalmente combatentes portugueses, registou um pico de atendimento em Junho de 1918. A historiadora Helena da Silva, no artigo O Hospital da Cruz Vermelha na Flandres, relaciona esse pico com o primeiro surto da epidemia de gripe daquele ano –  a pneumónica ou influenza, para utilizar um expressão da época – que assolou o continente europeu. O número de pacientes foi diminuindo até Outubro e Novembro daquele ano. No Outono, um novo surto epidémico e a fraqueza de muitos soldados, fez aumentar consideravelmente o número de internamento de combatentes. Com o fim das hostilidades, o hospital passou também a receber prisioneiros de gerra. Com o seu encerramento, havia que decidir o que fazer quer com as barracas quer com o material sanitário, sendo criada uma «comissão liquidatária».

Em Março de 1919 [começaram a ser desmontadas] as barracas (…). A desmontagem estava a ser feita por duas companhias de engenharia e o material sanitário da Cruz Vermelha a ser encaixotado para ser envido para Portugal (…). O material que não pudesse ser utilizado pela Cruz Vermelha, seria vendido (…). Contudo, a venda apenas foi realizada em Agosto de 1920. No local onde outrora existiu o Hospital da Cruz Vermelha em Ambleteuse persiste hoje um monumento que recorda a ação da instituição e os soldados portugueses mortos na Primeira Guerra, e foi um dos primeiros a ser erigidos no pós-guerra (…) inaugurado com toda a solenidade a 30 de Julho de 1919, na presença nomeadamente de Luís Bettencourt, do tenente Armindo Girão Guimarães[69] e do presidente da Câmara de Ambleteuse[70].

Como afirma a historiadora, em Ambleteuse, no local onde pré-existiu, ainda  que num espaço curo de tempo. o Hospital da Cruz Vermelha, foi erigido um monumento – o primeiro de muitos -, em honra dos soldados mortos em combate A imprensa da época não deixou passar em falso a inauguração deste memorial. A revista Ilustração Portuguesa refere-se ao acontecimento, acompanhando a reportagem fotográfica com um resumido texto:

Em Ambleteuse inaugurou-se um monumento à memória dos portugueses, que em defesa do Direito e da Justiça tombaram no solo sagrado de França. Dormem agora o seu sono à sombra do monumento que damos hoje a inauguração. Discursou o Coronel Girão, a quem o «maire» respondeu. Ao ato assistiram oficiais portugueses, franceses, damas da Cruz Vermelha e foi uma cerimónia comoventíssima[71].

A inauguração do memorial contou, e não podia deixar de ser de outra forma, com a presença do Tenente-Coronel Armindo Girão, comandante do campo de Ambleteuse desde 1 de Junho de 1919, mês que foi de intensa atividade, circulando entre o Campo, Paris e Londres. Em Julho, pouco depois de um regresso da capital britânica, voltava a Paris, desta vez por convite do General Roçadas, para assistir à «Festa da Vitória»[72]. Estava, porém,  a esgotar-se o seu tempo de combatente do CEP. Em 1 de Agosto recebeu ordem de marcha para Cherbourg. A 20 de Agosto era extinto o DMB2[73]. A 22 de Setembro, tendo terminado todas as funções para que fora nomeado, aguardava o repatriamento[74]. Foram 395 dias em campanha ao serviço do CEP[75], “desde 15 de Março de 1917 até 6 de Maio de 1918 e desde 15 de Outubro do mesmo ano até 1 de Outubro de 1919”[76].

Ao longo da carreira militar, pelo criterioso desempenho das funções que lhe foram acometidas, Armindo Girão recebeu várias medalhas e louvores. Se 1910 foi o ano da «Medalha Militar de Bons Serviços»[77], o tempo em que esteve ao serviço do CEP e ao comando do Regimento de Artilharia 7 granjeou-lhe uma série de louvores e medalhas pelo brio militar com que agiu e levou os seus homens a atuar em combate. No processo do CEP, numa anotação manuscrita, lê-se que, a 17 de Maio de 1919,   recebeu o grau de Comendador da Ordem Militar de Avis[78]. Logo em 1917, a bateria do 2º. GBA, de que Armindo Girão era comandante, na sequência duma visita do Tenente Coronel Sá Cardoso, recebia a seguinte informação:

Tendo visitado a bateria do 2º. GBA, em seguida a bombardeamento a que estiveram sujeitos na madrugada de 14, tão bem dispostos encontrei a guarnição e oficiais, orgulhosos do bom serviço que acabaram de prestar socorrendo, sob um intenso bombardeamento de artilharia inimiga a nossa infantaria que a todos V. Ex.ª digne-se mandar inserir nas Ordens dos Grupos das baterias esta nota[79].

Em Junho de 1919, terminara já a Guerra, Armindo Girão era “louvado pela inteligência, critério, dedicação com que tem exercido o cargo DMB2”[80]. A 30 de Dezembro daquele ano, a Delegação da República do Panamá presente na Conferência de Paz concedia-lhe a «Medalha de Solidariedade», “pelo mérito dos serviços prestados à causa aliada”[81]. Meio ano depois, a 5 de Junho de 1920, era a vez da República Francesa conferir ao “Tenente Coronel de Artilharia do Exército Português e Comandante do 1º. Grupo de Baterias e Comandante do Campo de Ambleteuse” o título de «Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra»[82]. Finalmente, por proposta da Comissão Central da Cruz Vermelha Portuguesa, a 13 de Novembro de 1919, o governo republicano atribui-lhe  a «Cruz Vermelha de mérito»[83]. Dez anos mais tarde, a 9 de Março de 1929, foi reforçada a ligação do Coronel Armindo Girão à Cruz Vermelha, sendo-lhe concedida a «Cruz Vermelha de dedicação».  Do espólio de família fazem parte outras condecorações: a medalha referente às «Campanhas do Exército Português em França (República Portuguesa) 1916-1917», a medalha «Militar de Comportamento exemplar», bem como a «Medalha da Vitória»[84].

O regimento de Artilharia 7 bem como o 2.º GBA, comandados pelo Tenente Coronel Armindo Girão, não foram esquecidos pelo Governo da República. A 10 de Junho de 1920 foi atribuída ao 2.º GBA a «Cruz de Guerra de 1ª classe», “pela bravura e serenidade que demonstrou por ocasião da batalha de 9 de Abril de 1918, opondo com fogo tenaz resistência ao avanço do inimigo, não abandonando as suas posições apesar do formidável bombardeamento e de terem parte do material fora de combate, senão depois de esgotadas as munições”[85]. Por fim, a 23 de Maio de 1923, ao Regimento de Artilharia 7 foi concedido o “uso do estandarte Am/912 pelos serviços prestados durante a Grande Guerra em França”[86], tendo sido colocada a condecoração no estandarte do Regimento.

A 15 de Dezembro de 1921, Armindo Girão completava vinte e seis anos de serviço efetivo como oficial. A 5 de Fevereiro do ano seguinte era colocado no Estado Maior de Artilharia como 2º.  Comandante de Campanha [87], sendo promovido a Coronel nos termos da Lei nº 1239, por Decreto de 11 de Março[88]. A 18 de Maio, “considerado na disponibilidade nos termos da Lei 1250”[89], era indicado para 2º  Comandante do Regimento de Artilharia 7[90]. Mas o tempo da República estava a esgotar-se.

A participação portuguesa na 1ª Guerra Mundial deixou mazelas na sociedade portuguesa. Se não fora posta em causa a defesa dos territórios coloniais contra a cobiça imperialista alemã, o mesmo não acontecera com a participação das tropas no cenário europeu. Em 1916 era acalorado o debate entre os «guerristas», ou seja, os que defendiam o envio de homens para a frente de batalha e onde pontificava o Partido Democrático[91] liderado por Afonso Costa, e os que recusavam o intervencionismo bélico. O fim do conflito encontrou um Portugal muito debilitado económica e socialmente, com a situação política ao rubro. À esquerda, os governos republicanos eram alvo “dos ataques desesperados (greves, bombismo, golpismo) dos vários sectores do movimento operário (anarcossindicalistas, comunistas, socialistas) fortemente atingidos pela crise social [maltratados] com brutalidade inusitada, através de deportações sem julgamento, dos tribunais especiais e de formas de repressão policial (…). A estes acabaria por se juntar (…) o campo da esquerda republicana”[92]. Por seu turno, as várias direitas – republicanismo de direita, integralistas, o partido católico, os cruzadistas – aliavam-se aos interesses patronais. “A conspiração político-militar, o derrube subversivo do regime era o que estava na ordem do dia, ensaiando-se o golpismo militar entre sucessivas conspirações e intentonas entre 1921 e 1926”[93].

Sucediam-se os governos[94] e os atentados bombistas aliados a uma forte atividade anarcossindicalista criavam o clima insurrecional, com a primeira intentona a ocorrer no dia 19 de Outubro de 1921, na sequência da demissão do governo presidido por Liberato Pinto. A sublevação que se lhe seguiu desembocou na «Noite Sangrenta», quando um grupo de marinheiros e arsenalistas assassinaram figuras gradas da República. O fermento insurrecional estava na rua, alimentando-se de greves e manifestações contra os baixos salários e a carestia de vida. Entre os militares avolumava-se o clima de descontentamento, provocando, também ele, sublevações e indisciplina. A 14 de Julho de 1924, deram-se confrontos entre militares do Exército e os soldados da Guarda Republicana e, um mês depois, nova tentativa golpista com o assalto ao quartel da Ameixoeira. Contudo, o primeiro ensaio para o golpe triunfante de 28 de Maio de 1926, teve lugar um ano antes, a 18 de Abril de 1925, quando uma revolta militar de grande envergadura envolvia já patentes superiores, como generais no ativo. Dominado o golpe, foi por pouco tempo restaurada a legalidade, pois a 19 de Julho, liderada pelo comandante Mendes Cabeçada, eclodia nova revolta, obrigando ao decretar do estado de sítio e à prisão e julgamento, sem grandes consequências, dos seus implicados. Até Maio, foram tentados novos golpes militares, como o de 1 de Fevereiro.

 

Paralelamente à preparação do Golpe de Estado que conduziu à Ditadura Militar, foi gizado um plano para a reorganização do Exército, implementado logo a 7 de Julho. “O país seria dividido em 4 regiões (I- Porto; II- Coimbra; III – Tomar; IV- Évora), e teria um Governo Militar com sede em Lisboa (…). Quanto à Artilharia, são criadas as unidades de Artilharia Pesada e Super-pesada, os Trens Hipomóvel (…) destinados a formar condutores, e a criação de Baterias Anti-Aéreas nos Regimentos de Artilharia”[95]. Face a esta nova estrutura organizacional, quer o Regimento de Artilharia 7, quer o Quartel-general da 2ª Divisão Militar, sediados em Viseu, foram extintos, restando, no entanto, o Grupo de Artilharia de Montada [GAM].

A 8 de Agosto de 1926, o Coronel Armindo Girão “deixa de estar na situação de disponibilidade por lhe ter cabido o respetivo quadro a vaga de posto”[96], sendo colocado  como Comandante do GAM[97]. Um ano depois, passava para o GIAM nº. 12[98]e a 24 de Outubro assumia a funções de Inspetor Interino da Arma de Artilharia da 2ª. Região Militar, com sede em Coimbra[99].

A Guerra marcou indelevelmente o corpo e a alma dos combatentes. Todos regressaram diferentes. O Coronel Armindo Girão não escapou a esse embate. A filantropia a par do já antigo interesse pela instrução e educação, passaram a fazer parte dos seus dias, utilizando ou pondo ao seu serviço, as competências de liderança na direcção e administração aperfeiçoadas em teatro de guerra.

À semelhança de outros países beligerantes, a participação portuguesa na I Guerra Mundial despoletou uma acesa discussão sobre o estatuto e enquadramento social do antigo combatente. Para dar resposta às múltiplas necessidades dos ex soldados e suas famílias, em 1919 surgia um primeiro esforço para a criação da Liga dos Combatentes da Grande Guerra. Dois anos mais tarde, em Abril de 1921, realizava-se a primeira reunião constitutiva, cuja ata é bem elucidativa dos objetivos que presidiam à sua institucionalização.

Em razão das injustiças feitas aos que na Grande Guerra combateram, especialmente aos mutilados e estropiados e ainda ao desprezo a que eram votados pelos poderes constituídos, os quais não tomam em devida conta, mas até propositadamente esqueciam as justas reclamações de muitos que após haverem cumprido o seu dever, conjuntamente com o juramento que antes haviam feito de darem o sangue pela Pátria [com o intuito] de não só pugnarem pelos seus interesses, e das suas famílias, valendo-se de si próprios, mas ainda de erguerem o nome do nosso país lá fora”[100].

Só na reunião magna de 16 de Outubro de 1923 se procedeu à eleição dos primeiros corpos diretivos da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, sendo efetivamente oficializada a 29 de Janeiro de 1924. Já tinha mudado o regime e Portugal vivia sob uma Ditadura Militar quando, em 1929, era aprovado “o seu estandarte e autorizada a sua utilização em atos públicos”[101]. Em Viseu, e após a reunião de Outubro de 1923, surgia pela mão do Coronel Armindo Girão, a Agência de Viseu da Liga dos Combatentes da Grande Guerra, sediada durante dois anos (1923-1925) no Regimento de Artilharia 7, com quartel no antigo Seminário, passando depois a ocupar um espaço  na Rua Nossa Senhora da Piedade. Em 1925, como Presidente da «agência» viseense, fazia publicar nos jornais da cidade o seguinte apelo:

Estando a organizar-se o cadastro dos órfãos dos Combatentes da Grande Guerra, internados ou não em Casas de Caridade, a Agência de Viseu pede a todas as pessoas que tenham conhecimento da existência de órfãos naquelas condições, o favor de o comunicarem à sede da mesma Agência, na Rua da Senhora da Piedade, ou a qualquer dos antigos combatentes, para que estes o transmitam à Direção.

O Presidente, Armindo Girão (Coronel)[102].

Sabemos que, quando militar na Figueira da Foz, Armindo Girão desenvolveu um profícuo trabalho em prol da alfabetização e da instrução dos mais desvalidos, sendo convidado, como representante da Associação de Instrução Popular, para a inauguração do 1.º Jardim-Escola instalado naquela cidade ribeirinha. Jaime Cortesão[103] que olhava para a Associação dos Jardins-Escola como um dos melhores legados da 1.ª República, registava: “o culto de João de Deus, esse, é mais íntimo, mas não menos fecundo. Em volta do nome do grande lírico, autor da «Cartilha Maternal», juntaram-se muito professores, intelectuais, artistas e construtores que lançam os verdadeiros alicerces da Pátria”[104]. Armindo Girão integrava o naipe desses «construtores», sendo primordial o seu papel na instalação de um Jardim-Escola em Viseu.

O Jardim-Escola João de Deus de Viseu, inaugurado em Maio de 1943, foi construído no sítio do Fontelo e, terreno concedido pela Câmara Municipal. Contribuíram para a sua edificação o cofre Social com o benemérito Manuel António Dias Ferreira, verba votada em Assembleia geral, donativos valiosos obtidos na cidade de Viseu e a comparticipação do estado pelo fundo do Desemprego correspondente a cerca de 30% do respetivo orçamento. Coube ao falecido e distinto oficial do exército, Coronel Armindo Girão o empenhamento e notável dedicação na execução deste legado, do qual foi responsável pela iniciativa[105].

A partir de 1924, a vida de família de Armindo Girão foi pautada por casamentos, nascimentos de netos e mortes. A 12 de Abril daquele ano, casava-se Maria Armanda[106], a sua terceira filha que, nove meses depois, a 29 de Janeiro de 1925, lhe daria o primeiro neto, de seu nome Ricardo[107]. A 12 de Julho desse ano, falecia o seu irmão mais velho[108]. Na entrada da década de trinta, a 22 de Novembro de 1930, consorciava-se Maria Heloísa[109],  a segunda filha que, a 2 de Outubro de 1931, o contempla com o segundo neto que lhe herdará o nome[110]. Três anos mais tarde, a 17 de Abril de 1933, em Lisboa, dava-se o enlace do único filho, Armando José[111], com Maria Helena Alves de Carvalho Dias, filha do Major Carvalho Dias. A 20 de Dezembro de 1935 era a vez de Maria Helena[112], a quarta filha, se consorciar, embarcando para Angola nove dias depois. Nuvens de dor se abatem sobre a família de Armindo Girão. Pouco tempo esteve casada pois, a 10 de Maio de 1936, com 34 anos, Maria Helena falecia. A 29 de Junho de 1939, consorciava-se Maria Tereza[113], a última das filhas que, um ano depois lhe daria um terceiro neto, o Adriano José[114]. Porém, nem um mês volvido, a morte tornava a rondar. Desta vez fechava os olhos a sua nora, Maria Helena Carvalho Dias Girão, vítima de febre tifoide.

O tempo de Armindo Girão estava a esgotar-se. A I Grande Guerra fizera os seus estragos, marcando indelevelmente aqueles que estiveram no centro da tragédia, combatendo e vivendo o pavor do dia-a-dia nas trincheiras. E outra guerra ensombrava novamente o mundo, desfazendo as ilusões daqueles que se haviam sacrificado para combater na guerra que poria fim a todas as guerras. As cardadas botas alemãs soavam pelos campos de uma Europa martirizada. Desta vez, Portugal mantinha-se oficialmente neutral, mas o eco do horror galgava fronteiras. Aos 73 anos, num dia de Inverno – 27 de Fevereiro de 1941, Armindo Girão, rodeado pela família, fechava os olhos, adormecendo para sempre. A broncopneumonia, detectada quinze dias antes, evoluiu para a pneumonia que o matou. Foi sepultado no talhão dos Combatentes no cemitério de Viseu onde repousou durante vinte anos. Com a morte da esposa, a 20 de Fevereiro de 1961 fez-se o levantamento das ossadas e transladado seis dias depois para junto de sua mulher, a morada definitiva[115].

Urge resgatar do esquecimento e da obscuridade para onde foi mergulhada, a figura incontornável de Armindo Girão, homem de bem, republicano convicto e de grandes princípios morais e cívicos. Um exemplo a reter. Preciso era que Viseu, a cidade que o viu nascer e morrer, onde prestou serviço militar e teve ativa intervenção cidadã, lhe renda a devida homenagem.

 

 

 

[1] Atual Rua Augusto Hilário.
[2] Registo de Batismo nº. 26, in Registos Paroquiais, ano 1868, Arquivo Distrital de Viseu.
[3] Livro de termos de exames, 1881, Arquivo do Liceu Alves Martins, à guarda da Escola Srecundária Alves Martisn, Viseu.
[4] Cf. livros de registo de frequência e de termos de exames in Arquivo do Liceu Alves Martins, à guarda da Escola Secundária Alves Martisn, Viseu.
[5] 9 de Agosto de 1884
[6] Cf. Anuário da Academia Politécnica do Porto, 1888.
[7] Doc. 296A/91, Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[8] Idem.
[9] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[10] Idem.
[11] Cf. Doc. 5485(4), 8-10-1894, Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[12] Cf. Doc. 5485(2), 5-10-1894, Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[13] Cf. Doc. 5485(1), 6-10-1894, Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar
[14]Cf. Doc. 5485(3), 11-10-1894, Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar
[15] Registo de Casamento, in Registos Paroquiais, ano 1894, Arquivo Distrital de Viseu.
[16] Cronologia de vida do Coronel Armindo Girão in agendas pessoais, Arquivo da Família.
[17] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[18] Cronologia de vida do Coronel Armindo Girão in agendas pessoais, Arquivo da Família.
[19] Idem.
[20] “Petiz de 5 meses (1905), 5h30 da manhã” in Cronologia de vida do Coronel Armindo Girão in agendas pessoais, Arquivo da Família.
[21] OE nº 2 (2ª série), 29 de Janeiro de 1907, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[22] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[23] Idem
[24] OE nº 16 (2ª série), 30 de Junho de 1910, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[25] OE nº 2 (2ª série), 29 de Janeiro de 1907, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[26] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[27]Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[28] Almanach da Republica: districto de Coimbra, dir Adriano do Nascimento, publicado por O Reclamo, em linha.
[29] Designação pela qual a Loja Maçónica com o mesmo nome se apresentava ao público. Cf. https://issuu.com/museu­_santos_rocha, em linha.
[30] http://arepublicano.blogspot. Em linha.
[31] Fundado em Janeiro de 1895, o Ginásio Clube Figueirense dispunha, em finais do ano seguinte, cinco secções: Ginástica, Velocipedia, Esgrima, Tiro, Dança e Dramática. Cf. Guimarães, Maria Alice Pinto, O Ginásio Clube Figueirense: da Fundação a 1914, CMFF, 2007, p 20.
[32] Cf. GCF, Individualidades – Índice anotado por apelidos e por primeira palavra (eventos)
[33] Armindo Girão, s/ data, sem identificação do periódico, recorte in Arquivo de Família. Pelo texto depreende-se que o facto ocorreu depois de 1911 pois, neste ano, Armindo Girão foi promovido a Capitão.
[34] O método de aprendizagem da leitura e da escrita concebido por João de Deus data de 1876 e está consubstanciado na Cartilha Maternal, de 1877. A obra foi tão bem recebida que, dois anos depois, o «método de João de Deus» foi aprovado e institucionalizado na escola portuguesa. Cf. Wikipédia, em linha.
[35] “De 1882 a 1920 realizaram-se 479 missões de alfabetização, tendo aprendido a ler e a escrever, e bem assim a realizar as quatro operações aritméticas, 28 656 pessoas”, As Escolas Móveis, www.joaodedeus.com, em linha .
[36] “Dr. João de Deus Ramos, representando a Associação das escolas Móveis e Jardins-Escola João de Deus, à qual incumbe a superintendência pedagógica e administrativa da nova instituição escolar (…) Associação de Instrução Popular, representada pelo Capitão Armindo Girão”, Projeto Educativo do 1.º jardim-escola João de Deus da Figueira da Foz, 200972021, pdf, p 35-36
[37] Festas Associativas, s/ data, sem identificação do periódico, recorte in Arquivo de Família.
[38] Idem.
[39] Armindo Girão fez parte de Loja Maçónica Fernandes Tomás, instalada a 21 de Julho de 1900 na Figueira da Foz, usando o nome simbólico Saldanha. Cf. GCF, Individualidades – Índice anotado por apelidos e por primeira palavra (eventos) e 300 anos de Maçonaria, Catálogo da Exposição no Museu Santos Rocha, https://issuu.com/museu­_santos_rocha, em linha.
[40] Festas Associativas, s/ data, sem identificação do periódico, recorte in Arquivo de Família.
[41] Cf. Ficha de Identidade de Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[42] OE nº. 17 (2ª. série), 23 de Agosto de 1915, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[43] Por Decreto de 8 de Junho de 1911.
[44] Por Decreto de 1 de Dezembro de 1916, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[45] OE nº. 23 (2ª. série), 9 de Dezembro de 1916, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[46] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar
[47] Sobre a participação de Portugal na 1GG, convém consultar o relatório sobre a participação de Portugal na guerra europeia, publicado no Diário do Governo, I série, nº 9 de 17 de Janeiro de 1917, transcrito na Revista Militar, nº. 4, Abril, 1917, p 285-300.
[48] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[49] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[50] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[51] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[52]  Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar
[53] OE nº. 3 (2ª série), 28 de Fevereiro de 1918, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[54]Telegrama nº185, QGF do CEP, 22 de Abril, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[55] Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[56] OSC nº 286 de 18 de Outubro de 1918, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[57] Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[58] OSC nº. 315 de 15 de Novembro de 1918, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[59] Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[60] OSC nº 336 de 8 de Dezembro de 1918, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[61] OSC nº. 20 de 22 de Janeiro de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar
[62] OS do QGB nº. 25 de 25 de Janeiro de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar
[63] OS do CMCA nº. 37 de 21 de Abril de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[64] OSC nº. 135 de 21 de Maio de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[65] OS do CMCA nº. 78 de 1 de Junho de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[66] CVACA pela OSC nº. 151 de 7 de Junho de 1919, transmitida pela nota RS nº 1333, de 18 de Junho. Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[67] OSC nº. 172 de 30 de Junho de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[68] OS, CEP nº. 75 de 21 de Junho de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[69] A autora enganou-se na patente militar de Armindo Girão. Na altura da inauguração do monumento era já Tenente-Coronel.
[70] Helena da Silva, O Hospital da Cruz Vermelha na Flandres, pdf, in https://run.unl.pt, p 9-10
[71] Ilustração Portuguesa, II série, nº 710, 29 de Setembro de 1919, p 247.
[72] Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[73] Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[74] OS, CEP nº. 75 de 21 de Junho de 1919, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[75] Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[76] Boletim individual de 5 de Novembro de 1920, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[77] Arquivo de família.
[78] Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[79] Idem.
[80] Ordem de Corpo, nº172 de 30 de Junho de 1919. Armindo Girão, Processo do CEP in Arquivo Histórico Militar.
[81] Cf. Certificado da Medalha de Solidariedade, Arquivo de família.
[82] Cf. Certificado da atribuição de Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra, Arquivo de família.
[83] Cf. Certificado da atribuição da Oficial da Ordem Nacional da Legião de Honra, Arquivo de família
[84] Arquivo de família.
[85] Ordem do Exército nº. 10 (2ª. série), 10 de Junho de 1920, Arquivo de família
[86] Ordem do Exército nº. 4 (1ª. série), 28 de Maio de 1921; Decreto nº 8:859, Ministério da Guerra, 23 de Maio de 1923. Arquivo de família.
[87] OE nº. 2 (2ª. série), 5 de Fevereiro de 1922, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[88] OE nº. 4 (2ª. série), 11 de Março de 1922, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[89] OE nº. 7 (2ª. série), 18 de Maio de 1922, Notas biográficas como oficial. Processo AAGG in Arquivo Histórico Militar.
[90] Idem.
[91] O Partido Democrático transformara-se “num típico partido situacionista, espelho de uma clique que controlava e manipulava a administração e o sistema eleitoral em proveito próprio e de certos sectores da oligarquia [conduzindo] à crise do sistema liberal e à sua agonia terminal”. Rosas, Fernando, Salazar e o poder: a arte de saber durar, Tinta da China, 2013, 2ª edição, p.54.
[92] Rosas, Fernando, Salazar e o poder: a arte de saber durar, Tinta da China, 2013, 2ª edição, p54-55.
[93] Rosas, Fernando, Salazar e o poder: a arte de saber durar, Tinta da China, 2013, 2ª edição, p 55.
[94] 26 ministérios entre 1920 e 1926.
[95] Ramos, Renato, A evolução da Organização e do Quadro de Oficias da arma de Artilharia – da Republica à atualidade Trabalho de investigação aplicada, Academia Militar, 2009, p 19. Pdf.
[96] OE nº. 16 (2ª. série), 14 de Agosto de 1926. Arquivo de família.
[97] OE nº. 18 (1ª. série), 18 de Setembro de 1926. Arquivo de família.
[98]  Desde 1 de Junho de 1927, de acordo com o D 13 852. Arquivo de família.
[99] Confirmada a nomeação pela nota nº 6116 da Repartição do Gabinete do Ministério da Guerra, 28 de Outubro de 1927. Arquivo de família.
[100] A partir da transcrição in http://portugal1914.org, em linha
[101] A partir da transcrição in http://portugal1914.org, em linha
[102] In Jornal da Beira, 20 de Fevereiro de 1925.
[103] Médico, historiador, intelectual republicano, pertenceu ao CEP e esteve na frente de batalha, prestando serviço nos Hospitais de Sangue.
[104] Transcrição in Projeto Pedagógico do Jardim-Escola João de Deus, Viseu, 2017- 2020, projecto_educativo pdf, http://viseu.ewscolasjoaodeus.
[105] Projeto Pedagógico do Jardim-Escola João de Deus, Viseu, 2017- 2020, projecto_educativo pdf, http://viseu.ewscolasjoaodeus.pt
[106] Maria Armanda Salles Marques Girão [Ribeiro de Oliveira].
[107] Ricardo Marques Girão Ribeiro de Oliveira.
[108] António Girão Guimarães. À data, os pais já tinham falecido: o pai a 22 de Janeiro de 1901 e a mãe a 25 de Fevereiro de 1905, quando Armindo Girão restava serviço na Figueira da Foz.
[109] Maria Heloísa Salles Marques Girão [Leitão Cardoso].
[110] Armindo José Girão Leitão Cardoso.
[111] Armando José Salles Marques Girão. O casamento foi noticiado na imprensa, conforme comprova recorte de jornal. Arquivo de família.
[112] Maria Helena Salles Marques Girão [d’Azeredo Pais].
[113] Maria Tereza Salles Marques Girão [Gomes Serrano].
[114] Adriano José Girão Gomes Serrano.
[115] Dados familiares facultados pela família.

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