Augusto Santos Silva

Santos Silva é uma das figuras políticas mais longevas da nossa democracia. Foi Ministro da Educação, Ministro da Cultura, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Ministro da Defesa e Ministro dos Negócios Estrageiros. Com este passado, que só por três vezes foi motivo de clamor público a propósito de frases curtas mas provocadoras, não se pode dizer que precise da função para preparar uma candidatura.

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  • 18:15 | Domingo, 22 de Outubro de 2023
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Se Augusto não tiver mão firme, se não for seco e ríspido, corremos o risco de ter um Parlamento ingovernável, de passarmos a assistir a cenas pouco dignas como as que verificam em muitos países do leste europeu.

Ao contrário do que muita gente pensa, a função de Presidente da Assembleia da República não é fácil.

O Presidente da República fala quando quer e pode proteger-se; o Governo fala quando o obrigam e quando tem boas notícias, também podendo proteger-se. Porém, a segunda figura do Estado não pode falar quando quer e tem, muitas vezes, de se expor em direito.


De um tempo em que o Parlamento era recheado de uma certa cerimónia, até ao verdadeiro espírito democrático que se verificou quando o Governo, por imposição regimental, passou a para prestar contas regularmente, decorreram duas décadas do 25 de abril.

Em boa verdade, só com a primeira maioria de Guterres passamos a ter o cumprimento autêntico do princípio constitucional – um Governo responde sempre perante a Assembleia da República. Só a partir daí consagrámos os trabalhos em direto, só nessa altura se iniciaram novas formas de discurso político e de uso da palavra que levaram, progressivamente, à valorização de populismos vários.

Santos Silva assume hoje, com competência e autoridade, a presidência do órgão que reúne 230 portugueses eleitos. Mas também chega a esta cadeira com uma maioria absoluta e com o Parlamento atacado, como nunca, pelo radicalismo.

Qual deverá ser o perfil de uma presidência perante tal realidade? Muitos comentadores, não raro muitos dirigentes partidários, dão conta do que consideram ser os excessos do atual número dois do Protocolo do Estado. E, na minha opinião, estão errados.

Primeiro ataque – O Presidente do Parlamento não deve ter posições políticas de natureza ideológica, por vezes partidária, porque ele representa todos os deputados.

Aqui encontramos um país agarrado ao princípio de que a democracia, as ideias e a palavra são coisas menores perante as funções institucionais. Também uma grande parte dos que falam e escrevem nos Órgãos de Comunicação Social tem no seu intimo a desnecessidade do confronto de ideias que é essencial na nossa vida de país.

Tenho para mim que o Presidente do Parlamento deve (se obriga) ser um agente ativo da nossa vida coletiva, seria até uma perda se Augusto Santos Silva o não fizesse.

Segundo ataque – O Presidente do Parlamento não deve criticar os partidos e os deputados a propósito dos seus atos que não seja no estrito cumprimento do Regimento da Assembleia da República.

O Regimento da AR são normas que devem ser empregadas através da palavra. Esta pode ser mais nítida ou menos, pode ser mais usada ou menos, pode ser mais atendida ou menos.

Acontece que o Parlamento tem, ciclicamente, tempos de extremismo. Lembro-me dos atos antissistema que o Bloco de Esquerda usou nos seus tempos iniciais. Recordo-me do comportamento inaceitável de Louçã e Fazenda aquando da visita de António Carlos Magalhães, Presidente do Senado brasileiro, a Portugal. E também me lembro da sova que Almeida Santos não deixou de dar, em público e em privado, aos insolentes.

Se Augusto não tiver mão firme, se não for seco e ríspido, corremos o risco de ter um Parlamento ingovernável, de passarmos a assistir a cenas pouco dignas como as que se verificam em muitos países do leste europeu.

Terceiro ataque – O Presidente do Parlamento deveria ser criterioso nas suas presenças em eventos e iniciativas públicas.

Este é o elogio às figuras de cera. Ora, pela sua natureza, mesmo sendo tímido e distante, Augusto nunca será uma figura de cera. Por isso, não deixará de comer farturas numa esplanada da Feira de São Mateus ou de estar presente na apresentação de um livro onde terá na assistência menos de uma dezena de pessoas.

Mas o atual Presidente da AR tem, também, uma história, um passado. É lícito e lógico que cumpra o seu lugar de deputado eleito pelos portugueses no exterior; é lítico e lógico que tente partilhar as decisões do Grupo Parlamentar a que pertence sobre matérias que conhece bem; é licito e lógico que seja presença permanente nas reuniões do seu partido, sejam nacionais ou locais, contribuindo com o seu pensamento.

Quarto ataque – O Presidente do Parlamento não deveria ser ostensivo na sua campanha para Belém.

Santos Silva é uma das figuras políticas mais longevas da nossa democracia. Foi Ministro da Educação, Ministro da Cultura, Ministro dos Assuntos Parlamentares, Ministro da Defesa e Ministro dos Negócios Estrageiros. Com este passado, que só por três vezes foi motivo de clamor público a propósito de frases curtas mas provocadoras, não se pode dizer que precise da função para preparar uma candidatura.

Augusto, mesmo no tempo em que esteve na Educação, foi sempre um ministro avaliado positivamente, foi sempre a personificação da prudência e da decência.

Há uma coisa que tenho bem presente – se for candidato presidencial será porque, para si, faz sentido a candidatura numa análise sobre a representação do centro-esquerda.

Quinto ataque – Santos Silva assume uma visão imperial do cargo, mesmo no universo dos seus pares.

Este tipo de consideração não lembra ao diabo. Em primeiro lugar, a função tem mesmo um conjunto de prerrogativas que devem ser exercidas; em segundo lugar, quem assim fala não teve atenção às quase cinco décadas do nosso Parlamento abrilista.

Há uma forma simples de exercer o lugar – deixar que os serviços da AR resolvam por si os problemas e assumir que a Conferência de Lideres é o ponto máximo do trabalho parlamentar. Sempre me dei mal com esta visão da função PAR.

Eu trabalhei com cinco presidentes do Parlamento. Dois deles tiveram o entendimento que Santos Silva tem hoje e que se resume a uma frase – não estou aqui só porque sim.

Conheço a Assembleia da República por todos os lados. Estive na estrutura interna, estive no centro da articulação dos partidos, estive na direção de um Grupo Parlamentar, estive como membro do Governo e estive como simples deputado sem qualquer outra função que não fosse a de representar livremente e de acordo com a minha consciência os portugueses que me elegeram. Sei, pois, que Augusto Santos Silva se encaixa na linha dos Presidentes que deixaram marca.

Mas também sei que o tempo de hoje é muito diferente e que essa marca exigirá mais esforço e mais combate. E nesse combate importa ter presente que há novos ares de cancelamento, de censura e de politicamente correto, coisas que Augusto detesta.

Que não lhe sobre palavra para fazer o caminho que importa.

 

 

Ascenso Simões

 

(Foto DR)

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