A normalização do ódio

Para manter um teto para viver e ter comida na mesa, recorrem a novos créditos. Cada uma destas famílias tem, em média, seis créditos contraídos. No primeiro trimestre, o preço das casas subiu 18,7%. Segundo o Eurostat, Portugal é o país com o pior acesso à habitação, na Europa, considerando o preço das casas e o rendimento per capita das famílias.

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  • 12:07 | Segunda-feira, 28 de Julho de 2025
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Nós necessitamos uns dos outros e sabemos que só ganhamos em tratarmo-nos bem uns aos outros, porque quem trata mal é maltratado e, sobretudo, perde a oportunidade de tratar bem

(Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República)


 

Natália Nunes, coordenadora do Gabinete de Proteção Financeira da Deco, além de divulgar os números relativos aos pedidos de ajuda – entre janeiro e junho chegaram à Deco mais de 15.000 pedidos de ajuda de famílias sobre-endividadas – explica as alterações dos perfis – famílias que trabalham – e da natureza das necessidades: habitação e alimentação. O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), de 2024, revela um agravamento nas condições financeiras associadas ao alojamento familiar, particularmente entre a população em risco de pobreza. Para manter um teto para viver e ter comida na mesa, recorrem a novos créditos. Cada uma destas famílias tem, em média, seis créditos contraídos. No primeiro trimestre, o preço das casas subiu 18,7%. Segundo o Eurostat, Portugal é o país com o pior acesso à habitação, na Europa, considerando o preço das casas e o rendimento per capita das famílias.

O desemprego, a doença e o divórcio eram fatores comuns na vulnerabilidade. Hoje, os pedidos de ajuda são para pagar rendas ou cauções. A faixa etária dos 40 aos 50 anos é a que mais sofre, seguindo-se-lhes os reformados.

O agravamento das condições de vida é um terreno fértil para os discursos populistas que não se coíbem de apontar o dedo aos outros, os imigrantes, como os responsáveis por todos os males de que enferma o país, da habitação à saúde, passando pela (falta) qualidade dos empregos e baixas remunerações.

Não há casas ou tornaram-se inacessíveis, a culpa é da pressão migratória. O acesso aos cuidados de saúde está mais condicionado, é uma consequência dos imigrantes. Não temos lugar nas creches, porque se favorecem as crianças com sobrenomes incomuns… Até as pessoas e instituições de apoio às pessoas em situação de sem abrigo são alvo da cólera, por parte da praga neonazi, sendo agredidas porque são culpadas por haver imigrantes em Portugal.

Num maniqueísmo medieval, pensarão que, se estas pessoas não tiverem direito a uma refeição por dia, ir-se-ão embora do país e outros deixarão de vir. Dos sussurros passaram à gritaria e da ameaça velada à agressão consumada. Também o ator Adérito Lopes foi violentamente agredido, por um grupo de extrema direita, e teve que ser assistido no hospital.

O discurso de ódio está a crescer com consequências devastadoras para a nossa vida em comunidade, vitalidade e futuro da democracia. O Conselho da Europa está preocupado com os casos de violência racista em Portugal, tendo sido registado um acentuado aumento do discurso de ódio que afeta “predominantemente migrantes, pessoas ciganas, LGBTI e negras.” O discurso anti-imigrantes ganha centralidade no debate político (assunto relevante que merece debate sério), ancorado na disseminação de desinformação, estereótipos, preconceito e estigma. Vivemos tempos complexos e desafiantes que exigem estudo, debate e definição de novas políticas publicas que sirvam para nos aproximarmos uns dos outros e não o contrário. Foi ponderada e acertada a decisão do senhor Presidente da República de enviar a Lei dos Estrangeiros para o Tribunal Constitucional.   

Ganha força uma retórica perigosa, sustentada nos discursos anticiganismo, racismo antimuçulmano e antinegro, para obter apoio popular e conquistar votos. Aos partidos democráticos peço que não vão por aí. As conquistas momentâneas tornar-se-ão castradoras do nosso futuro coletivo.

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Publicado em Opinião