A (in)visibilidade das pessoas com doenças incuráveis

Ao visibilizarem as suas doenças, a última coisa que queriam era que tivessem pena deles. Sabem que estas doenças são fechadas em casa, escondidas e que há um desconhecimento quase absoluto que gera, a somar à dureza do diagnóstico, uma enorme incerteza e instabilidade emocional. Com espírito de missão procuram sensibilizar e informar a comunidade.  

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  • 11:06 | Sexta-feira, 10 de Junho de 2022
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Os jornais, mesmo em papel, têm futuro, desde que não se limitem a dar as notícias que já nos chegaram aos ecrãs, através das múltiplas plataformas às quais estamos conectados dia e noite.

Assino dois jornais estrangeiros, na sua edição digital, e continuo a comprar um jornal diariamente, um semanário e uma ou duas revistas. Felizmente, ainda o posso fazer. Motivam-me alguns colunistas, suplementos específicos, reportagens, alguma investigação e uma ou outra notícia, muito raramente, sobre um tema concreto que me interesse aprofundar.

No dia 23 de maio, comprei a edição em papel do El Mundo, um dos poucos jornais estrangeiros que ainda conseguimos adquirir em Viseu. Fiz esta opção devido a uma chamada de capa: “Reflexões sobre a vida de Carme Elías e Juan Carlos Unzué, unidos pela doença.” (tradução livre). São trabalhos como o de Rodrigo Terrasa (texto) e Alberto Di Loli (fotografia) que podem dar um contributo significativo para o futuro da imprensa escrita. Tiveram a ousadia de desafiar uma atriz que perderá a memória e um desportista que perderá a mobilidade para uma conversa na casa da artista em Barcelona. Ela, Carme Elias (71 anos), tem Alzheimer. Ele, Juan Carlos Unzué (55), tem Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Ambos figuras públicas em Espanha, Unzué foi guarda-redes no Barcelona e treinador de futebol, Carme uma atriz consagrada. 

Têm distintas visões em relação à morte. Carme tem dificuldade em aceitar que um dia deixará de ser ela mesma: “Quando deixar de ser eu, não quero estar aqui. Espero que possamos ser consequentes e ter direito a uma morte digna porque toda a minha família sabe o que quero. Porque têm que me obrigar a viver assim? Para quê estar sem estar?” Unzué pensa precisamente o contrário: “Eu tenho a sensação de que vou poder ser eu mesmo até ao último dia. Evidentemente, com uma limitação física total, mas a minha mente, se nada mudar, está como sempre. E por isso sinto que vale a pena. Em vez da morte digna, nós, as pessoas com ELA precisamos de uma vida digna.”


O Parlamento português acaba de aprovar na generalidade quatro projetos de lei que legalizam a eutanásia. Um tema sensível que merece a nossa atenção e justificaria mais e melhor discussão pública. Veja-se como uma atriz que um dia não recordará os seus papéis tem uma posição diametralmente oposta à do desportista que poderá perder toda a sua mobilidade.

Um dos pontos que têm em comum, ambos decidiram assumir publicamente as suas doenças incuráveis. O antigo craque do “barça” publicou um livro Una vida plena, se llama e organiza palestras por toda a Espanha. A atriz, depois de anunciar a sua retirada, começou a gravar um documentário sobre a sua relação com a doença de Alzheimer que se chamará Aquí, ahora.

 

 

Ao visibilizarem as suas doenças, a última coisa que queriam era que tivessem pena deles. Sabem que estas doenças são fechadas em casa, escondidas e que há um desconhecimento quase absoluto que gera, a somar à dureza do diagnóstico, uma enorme incerteza e instabilidade emocional. Com espírito de missão procuram sensibilizar e informar a comunidade.

Um bom exemplo do jornalismo que nos faz falta e de cidadania ativa de duas figuras maiores que contribuem para normalizar o mais possível a vida de milhares de pessoas, contribuindo para o combate ao estigma e ao desconhecimento. Bem hajam!

 

(Fotos DR)

 

 

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Publicado em Opinião