A acusação de “ingratidão do povo” é um expediente recorrente em política — sobretudo quando o poder muda de mãos. Mas, no caso viseense, a inversão do argumento revela algo mais profundo e justo: talvez não tenha sido o povo o ingrato…
A política não é uma relação de devoção, é uma relação de serviço.
Ninguém deve ser reeleito por ter “dado a vida à causa”, mas por ter melhorado a vida dos outros.
Se, após décadas de poder, uma autarquia permanece entre as mais pobres do país, então a pergunta legítima não é “por que o povo foi ingrato?”, mas sim “por que o autarca falhou?”.
A verdadeira ingratidão não é do eleitor que exige mudança, mas do autarca que, tendo recebido a confiança e os recursos da população, não os transformou em progresso e desenvolvimento.
É ingrato o autarca que, amparado pelo voto, não correspondeu à esperança coletiva, deixando toda uma sociedade na estagnação e no retrocesso.
Dizer que alguém “dedicou a vida à política local” não basta — a questão é com que resultados.
A permanência prolongada no poder não é virtude por si mesma; pode ser sinal de acomodação, clientelismo e ausência de renovação.
A democracia não é um contrato de gratidão eterna, mas um pacto de avaliação constante.
O voto é um veredito, não um favor.
Se o povo muda, é porque quer progresso — e isso é sinal de saúde cívica, não de traição ou ingratidão.
A alternância é até mesmo o modo como a comunidade recorda aos governantes que o poder é emprestado, não concedido.
O eleitorado, ao substituí-lo, apenas restituiu o sentido original da política: servir a comunidade.
Acima de tudo o povo é soberano. E justo!
Pedro Henriques