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A desvirtuada narrativa de hoje…

…Barradas como o toante sino da Igreja do Espírito Santo, no Carregal (onde AQUILINO viu vida) rodado ou roubado do convento de Caria ou Paço dos Bularios, hoje a Quinta do Ribeiro, ao cruzamento de S. Francisco, vindos de Soutosa e rumando a oriente, levante ou leste.

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    • 12:45 | Domingo, 09 de Janeiro de 2022
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    Se eu fosse comentador da “bola”, no dialecto exausto e à mercê, começaria por vos escrever a narrativa de hoje explicando que esta nova palavra em moda pode ter diversos significados mas, fundamentalmente, quer dizer isto: história + discurso = narração.

    Ou, segundo Genette, “acto de relatar enunciados”, ainda como modo de uma tríade (lírica, narrativa, drama) ou, citando Labov, “um método de recapitulação da experiência passada que consiste em fazer corresponder a uma sequência de eventos (supostamente) reais uma sequência idêntica de proposições verbais”.

    Isto a propósito da abusiva apropriação das palavras, frequentemente empregadas, usadas, abusadas, fora do contexto natural da sua significação. O que é hoje frequente na retórica de comentadores da bola, políticos de ocasião, serventuários do regime, figurantes do “big brother” e demais fauna por aí pululante.


    Será por isso que “eles” começam desta forma: “A narrativa de hoje…”

    Saídos deste desabafo, reencontremo-nos com Aquilino e a sua edição de “A Via Sinuosa” ilustrada por seu amigo Stuart de Carvalhais, com narrativa e descrição por mão de Mestre.

    “A Via Sinuosa” é um maravilhoso romance do políptico semi-autobiográfico, publicado por AQUILINO em 1918 e escrito entre 1916/17. Dedica-o assim: “À memória de meu pai, Joaquim Francisco Ribeiro”, que aparece na “narrativa” como o Padre Ambrósio e o autor, no seu alter-ego semi-ficcionado, como Libório Barradas…

    …Barradas como o toante sino da Igreja do Espírito Santo, no Carregal (onde AQUILINO viu vida) rodado ou roubado do convento de Caria ou Paço dos Bularios, hoje a Quinta do Ribeiro, ao cruzamento de S. Francisco, vindos de Soutosa e rumando a oriente, levante ou leste.

    Celidónia Violas a “amorinha” de Libório por ali perpassa sua rebelde índole… Estefânia Malafaia a sua sensualidade esfuziante, a fidalga de Santa Maria das Águias que reviravolteou a cabeça de Libório…

    A passagem por Lamego, “A velha cidade que, sendo cabeça de correição, abrangera quinze vilas, quarenta e sete concelhos…”, seus estudos, sua prisão por desacato à autoridade “As trevas alagavam o calabouço, incertos ainda os alvores da aurora contra as frestas acachapadas na parede grossa, da grossura a dar vau a um carro de bois.”

     

     

    O romance fecha-se com uma conversa entre o Padre Libório e o fidalgo Malafaia assim rematada:

    “O homem é uma folha, senhor, no tempo que voa! Mas digne-se Vossa Excelência considerar o trajecto deste moço até à completa juventude, destrambelhadamente pio e irreverente, casto e hereditariamente sensual, laborioso e no fundo intoxicado por uma vaga filosofia que tudo devolve ao nada, esforço, bem ou mal, cultura ou incultura… até dar em ateu ou coisa parecida, republicano, epicurista! Para onde correrá a via sinuosa? Não sei, mas estou em jurar que o meu discípulo será bem desgraçado!… (…)

    Saí a passos lentos, cabisbaixo, outro homem. E pela terra rasa de neve, sem rumo, esclarecido por um vago horizonte, marchei, marchei, costas voltadas implacavelmente ao que ali ficava.”

     

     

    Bom, leiam a obra que só têm a ganhar com isso. Eu já a li meia dúzia de vezes e só dei azo ao dito latino: “bis placenta repetita”…

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