A censura moderna

Retirar e substituir seja o que for de um livro, é um exercício de censura e um perigoso regresso aos caminhos do pensamento único. Impõe-se a retirada de frases ou palavras tidas como inconvenientes e vai daí desvirtua-se o que está quieto e sossegado nas estantes e prateleiras de bibliotecas e livrarias.

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  • 20:02 | Segunda-feira, 24 de Abril de 2023
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Há agora um movimento organizado para retirar de livros escritos há tempos recuados expressões que hoje soam mal a uma elite bem pensante, ao que parece, detentora soberana do critério do que é bom e do que é mau.

E vai daí virou-se o grupo para obras clássicas da literatura, retirando-lhes palavras que, à luz da actualidade, e segundo o seu puritano juízo, podem ser consideradas ofensivas.

Na enxurrada foram “0s cinco”, de Enid Blyton, livros de Agatha Christie e as aventuras de James Bond, de Ian Fleming, entre outros, truncados de palavras e expressões que vão contra um discurso inclusivo tão na moda.


Todas as obras são datadas e reflectem o pensamento dominante no tempo em que a acção decorre. Contêm expressões e termos que, ao tempo da publicação, eram aceites e não geravam controvérsia. E é à luz dessa época que devem ser lidos, entendidos e julgados. Fugir da contextualização da obra é uma aberração, sem qualquer tipo de sentido.

Acresce que o que, aos dias hoje, se afigura pacífico, também amanhã poderá ser contrariado e objecto de severa crítica, e porventura retirado. E andaremos neste triste virote.

Retirar e substituir seja o que for de um livro, é um exercício de censura e um perigoso regresso aos caminhos do pensamento único. Impõe-se a retirada de frases ou palavras tidas como inconvenientes e vai daí desvirtua-se o que está quieto e sossegado nas estantes e prateleiras de bibliotecas e livrarias.

Um livro está escrito, é o que é, no tempo, no espaço, nos personagens, nos diálogos, nos termos utilizados, na dinâmica da narrativa. E, nesses termos, reflecte uma época que condiciona toda a produção final e que não pode, nem deve, ser esquecida. Manda a sensatez e a prudência que neles não se mexa, nem se reescrevam, sob pena de os manchar e tingir.

Tudo tem o seu tempo, e é à luz que devem ser vistos. Criticáveis, obviamente que sim, mutilados, naturalmente que não. São incompreensíveis e horríveis estes desmandos, feitos à luz de princípios questionáveis e de uma pureza por validar.

Fazê-los, não melhora, só estraga, porque descontextualiza e arranca a despropósito o que está enraizado em terra do tempo.

Não ver isto, é o mesmo que não saber distinguir um pinheiro de um chaparro.

 

 

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Publicado em Opinião