Dinheiro dos contribuintes para eventos vínicos e sardinhadas gourmet

Câmara de Viseu utiliza o dinheiro dos contribuintes para fazer o contrário, com o pretexto da falaciosa necessidade de um espaço coberto para requintados eventos vínicos e sardinhadas gourmet

  • 9:57 | Quinta-feira, 22 de Novembro de 2018
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Quem ler a introdução ao Orçamento e Grandes Opções do Plano da Câmara de Viseu para 2019, é levado a pensar que chegou o momento do Executivo concretizar todas as obras anunciadas vezes sem conta e nunca concretizada nos últimos cinco anos. Puro engano. Basta analisar o documento das Grandes Opções do Plano, mesmo sem grande pormenor, para se perceber que este é mais um Plano e Orçamento de serviços mínimos no que toca a obras estruturantes.

A redução em 4,2% nas despesas de capital (menos mil e quatrocentos milhões de euros) é disso prova.

Por outro lado, há verbas nestas GOPs que merecem ser destacadas, nomeadamente a consignada ao turismo, nas suas diferentes rubricas, que globalmente ascende a quase 5 milhões de euros. Só para animação e promoção turística a verba chega aos 500 mil euros. Mas nem um cêntimo para um Parque de Campismo ou a valorização e aproveitamento turístico e lúdico/desportivo da Mata de Vale de Cavalos, esse sim um investimento decisivo de coesão territorial e dinamização económica das zonas de baixa densidade do concelho. Para os turistas que nos visitam interessante também seria poderem percorrer o Roteiro dos Escritores ligados à cidade ou observarem as bonitas e históricas fontes da cidade sobre as quais fiz uma proposta na última Assembleia, recuperadas e jorrantes de água.


Nessa imensidão de milhões, nem um cêntimo para um espaço cultural com contextualização histórica de época evocativo da importância de Hilário como ícone do fado de Coimbra e referência cultural da cidade, instalando no Centro Histórico um verdadeiro equipamento “âncora” para o turismo. Nem um vislumbre de intenção para a construção da Biblioteca Municipal no Centro Histórico, equipamento verdadeiramente necessário, útil e valorizador daquele território.

Mas em sentido inverso, obras há nestas GOP que são verdadeiras inutilidades e graves atentados culturais como a que prevê um investimento de 600 mil euros no Mercado 2 de Maio, para deitar pela borda fora, por miopia cultural e preconceito ideológico a “marca” do Arquitecto Siza Vieira. Marca disputada, guardada e valorizada pelas principais cidades do mundo com o orgulho de possuírem nos seus territórios referências artísticas, por mais modestas que sejam, de um dos mais importantes criadores mundiais da contemporaneidade. A Câmara de Viseu utiliza o dinheiro dos contribuintes para fazer o contrário, com o pretexto da falaciosa necessidade de um espaço coberto para requintados eventos vínicos e sardinhadas gourmet.

Nestas GOP, há ainda “obras que parecem novas” mas são “recauchutadas”, como a incubadora do centro histórico, que nasceu vocacionada para artesã e ganhou agora o pomposo estatuto de “Incubadora tecnológica”, por força das teias de aranha que acumulou nestes 5 anos de desocupação e inutilidade.
Sobre as proclamadas obras emblemáticas em que aparece à cabeça a reabilitação do Bairro Municipal (ou da Cadeia), o que vemos são verbas dispersas (reabilitação, arranjo de espaços públicos e outras intervenções) que somadas ascendem a 687 mil euros e nos parecem francamente insuficientes para concretizar a reabilitação total do popular bairro. Já tivemos a versão arranjo de portas e janelas para 7 ou 8 casas. Com este dinheiro ou os empreiteiros são uns barateiros ou não me parece que se possa ir muito além da pintura das fachadas e da construção de alguns passeios. O mesmo se passa com a Residência para Estudantes. Com 15 mil euros no orçamento, só se for para instalar um bungalow no Parque do Fontelo e não pode ser muito avantajado.

Uma tese propalada pela propaganda oficial é que há mais dinheiro para as freguesias. Ficaria imensamente feliz se isso fosse verdade. Claro que por falta de resposta do Senhor Presidente ao requerimento que dirigi ao Executivo para que me fosse dada uma trivial informação escrita sobre as verbas canalizadas nos últimos anos para cada uma das 25 freguesias, não posso agora estabelecer comparações fiáveis. No entanto, é uma evidência que para além dos 202 mil euros dos contratos programa e de verbas que em diferentes rubricas do Orçamento apareçam consignadas para o Viseu Local (176 mil euros), sem que se especifique se são para obras na Feira de S. Mateus, como em anteriores orçamentos ou para os bairros da cidade, das poucas verbas que conseguimos identificar como concretamente destinadas às freguesias são os mil euros para a frente ribeirinha de Vila Corça.

Já o mercado 21 de Agosto, de que não se conhece o projecto a executar e que deveria merecer, pela sua centralidade e relevância para a cidade uma discussão pública alargada, como em tempos propôs, tem 200 mil euros inscritos (que suponho sejam para pagar ao gabinete de projectistas), embora para orçamentos seguintes estejam previstas verbas de 2 milhões e duzentos mil euros. Mais uma obra para encher e adiar. Já a verba para o Projecto “Reabilitar para Arrendar” chama a atenção pelo irrisório. Quantas casas pensam reabilitar, já não digo comprar, com os 8 mil euros orçamentados? E é também com os 10 mil euros orçamentados que a Câmara está a pensar reabilitar a EN 229 e o troço concelhio do IP5?

Quanto ao Funicular, pensei que iria desaparecer destas GOPs, dado ter sido anunciado com pompa e muito alarido e pormenores que em 2019 entraria em actividade o prematuramente baptizado com o criativo nome “Viriato”, moderníssimo “primeiro veículo eléctrico e não tripulado do País”, que reduziria substancialmente os custos actuais do Funicular e tornaria as viagens muito mais rápidas, seguras e cómodas. Se não foi por engano na nomenclatura, para o funcionamento e a manutenção do Funicular afinal estão inscritos para 2019, 240 mil euros. 

Como já vai longa a análise do documento, desejava apenas perguntar directamente a que se destina inscrita nas GOPs a verba de 200 mil euros na Rubrica “Abastecimento de Aeronaves”? Por fim, constatar com incredulidade, que desapareceu dos anais do investimento municipal a “menina dos olhos”, a “alfa e o ómega” de anteriores orçamentos. Refiro-me ao suprassumo da democracia directa, da suprema forma de respeito pela vontade dos cidadãos, o Orçamento Participativo. Será que não li com suficiente atenção e me passou desapercebida a verba para esse fim? Uma coisa é certa, se desapareceu do plano, só temos a ganhar com a decisão, por se verificar, como sempre demonstrei, que era mais o gasto com a logística e a propaganda do evento do que com o custo dos investimentos na concretização do referido “Orçamento”. O tempo joga sempre a favor da verdade histórica. Embora muitas vezes os que têm razão antes de tempo tenham de passar pela afronta de descabidos ataques e insultos.

Salva-se neste Plano e Orçamento a demonstrada eficiência histórica dos SMAS, que se auto financiam e ainda transferem excedentes para o orçamento municipal, comprovando à saciedade que a malfadada “Empresa Águas de Viseu” é absolutamente dispensável e contrária aos interesses do Município e dos munícipes.

Não posso igualmente deixar de valorizar como positiva a proposta de manutenção do valor mínimo do IMI. Sendo que, mesmo com este valor, desde há vários anos que a receita recolhida é superior à orçamentada o que já nos levou a propor por diversas vezes a reavaliação dos zonamentos, inclusive nas áreas periurbanas e nas de baixa densidade.
Saúdo igualmente a passagem a contratos efectivos de todos os funcionários auxiliares de acção educativa. Pelos vistos o obrigatório concurso para efectivação não deixou ninguém de fora, como temia o Senhor Presidente. Mérito das capacidades intrínsecas dos trabalhadores, sem nenhuma dúvida.

Num orçamento de 72 milhões de euros, mal seria que não houvesse realização de obras. Mas as que aqui estão inscritas são da gestão corrente de qualquer município, traduzem falta de visão estratégica e de ambição e vêm já com um atraso de pelo menos 5 anos, não correspondendo às necessidades reais da população do concelho, por mais que as trombetas da propaganda anunciem a terra prometida do leite e do mel. Sem qualquer hesitação e no convencimento de que estou a prestar um serviço público aos munícipes do Concelho de Viseu, o meu voto só pode ser contra.

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Publicado em Opinião