Quando o orçamento não é o resultado de políticas públicas

Mais do que um documento previsional de receita e despesa que tem por base uma previsão da evolução macroeconómica do país e do mundo, o documento que constitui a Lei do Orçamento de Estado deve ser um instrumento de estratégia económica do governo. Nele devem estar vertidas as decisões para esse ano tendo por base […]

  • 19:02 | Terça-feira, 21 de Outubro de 2014
  • Ler em 3 minutos

Mais do que um documento previsional de receita e despesa que tem por base uma previsão da evolução macroeconómica do país e do mundo, o documento que constitui a Lei do Orçamento de Estado deve ser um instrumento de estratégia económica do governo. Nele devem estar vertidas as decisões para esse ano tendo por base um quadro coerente de objetivos estratégicos a médio e longo prazo.
Ou seja, numa lei de orçamento devem estar bem visíveis as políticas públicas que estão na base das decisões de despesa, na distribuição orçamental por rubricas e na previsão de receita. Se isso não for visível, se não se perceber o racional, o orçamento é um documento sem sentido, vazio de propósito, retificável a qualquer instante e sob qualquer desculpa. Não resistirá à mais pequena brisa.
Olhando para o OE2015 a ideia que me vem à mente é resignação. Na ausência de reformas estruturais, nomeadamente no Estado, na Segurança Social, na Educação, na Saúde, e em todas as áreas que todos reconhecemos ser necessário reformar, com a consequência de não ver reduzida a despesa, não ver a economia a crescer como prometido e não ter, de facto, as contas públicas equilibradas (bem visto o deficit estrutural não foi alterado), este orçamento para 2015 faz o óbvio: mantêm a pressão fiscal sobre as famílias, resignados a essa aparentemente única forma de obter recursos, tenta melhorar a eficácia da cobrança fiscal, tem fé nas taxas de juro da dívida pública e atira com previsões de crescimento económico demasiado otimistas ( 1,5% para 2015, ainda assim muito longe dos prometidos 4% ou mais como vaticinava António Borges no início de todo este processo de austeridade).
Quando do orçamento estão ausentes as reformas que necessariamente contextualizam as decisões tomadas, o orçamento é um mero exercício de fluxos financeiros, mais ou menos realistas, em vez de o resultado de um conjunto de opções resultantes da decisão política de um Governo que ponderou, tendo por base uma estratégia global, um conjunto de possibilidades.
O orçamento de 2015 mostra um Estado capturado, escravizado pela dívida, sem capacidade criativa para reagir e descolar de políticas impostas de fora e que claramente não funcionaram em Portugal, mas acima de tudo a imagem de um país que não sabe o que quer e não percebe por que razão não funcionou a austeridade em Portugal.
Funcionou nalguns sítios, como por exemplo na Irlanda. Mas não funcionou em Portugal. O país seguiu cegamente e sem sentido crítico uma receita imposta de fora. Não procurou adaptá-la à realidade nacional, ajustar tendo por base objetivos de médio e longo prazo e reformar com coragem o que era necessário reformar.
A Troika chegou perante o descalabro das contas públicas, impôs uma receita e Portugal não a debateu, e com isso não foi capaz de perceber o que estava certo e era necessário fazer, bem como aquilo que estava errado e era necessário ajustar à realidade do país e às nossas necessidades e frontalmente bater o pé. Na verdade quem é que neste país debateu o caminho que estávamos a seguir?
Quem promoveu a consciencialização dos cidadãos para a necessidade de debater o país, as opções que tínhamos e com isso mobilizar a nação para a hercúlea tarefa de reformar a forma como vivemos? Nada disso foi feito, mas tão somente se procurou demonstrar que tínhamos vivido acima das nossas possibilidades e que agora tinha chegado a conta.
Hoje, olhando para o futuro, sem instrumentos de estratégia, sem vitalidade criativa, sem capacidade de reagir, estamos a discutir um orçamento que não tem nada para discutir. É um mero exercício contabilístico, muito otimista, eu diria mesmo cheio de fé (a vida aparentemente melhora para muita gente ao mesmo tempo que se diminui o deficit para 2.7%), totalmente asséptico em termos políticos, onde não se vislumbra uma única opção estratégica, uma simples decisão ou algo que nos permita perceber que alguém está ao leme, sabe da arte de navegar e tem um rumo definido.
 

(Publicado no Diário As Beiras de 17 de Outubro de 2014)


Gosto do artigo
Publicado por
Publicado em Opinião