Professores, Funcionários Públicos e Estado Social

Nasci numa família sem grandes posses materiais ou financeiras, mas que era felizmente muito rica em afetos e em fontes de ensinamento e de exemplo muito profundos. Considero tudo isso o essencial daquilo que nos molda como seres humanos livres e conscientes do caminho que temos de seguir. Consequentemente, devo em grande parte ao Estado […]

  • 10:26 | Sexta-feira, 05 de Setembro de 2014
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Nasci numa família sem grandes posses materiais ou financeiras, mas que era felizmente muito rica em afetos e em fontes de ensinamento e de exemplo muito profundos. Considero tudo isso o essencial daquilo que nos molda como seres humanos livres e conscientes do caminho que temos de seguir. Consequentemente, devo em grande parte ao Estado Social que felizmente existia, e ainda existe, em Portugal a oportunidade de poder aprender e prosseguir numa formação de qualidade. Foi esse Estado Social que permitiu que frequentasse a escola pública, servida por professores muito dedicados, de grande qualidade e que entendiam bem a ideia de colocar desafios, e tivesse a possibilidade de frequentar a Universidade a preços comportáveis. Os contribuintes que mantinham com os seus descontos esse Estado Social são hoje mais idosos e estão já aposentados. As suas pensões são pagas pelos descontos de todos os contribuintes ativos, incluindo eu próprio. Custa-me por isso muito a entender, como dizia recentemente Adriano Moreira, o clima de guerrilha e de confronto entre novos e mais idosos que é, de certa forma, incentivado por quem já se esqueceu de onde vem e de como aqui chegou. Acompanho de novo Adriano Moreira na tristeza de verificar que na “balança da governação as pessoas têm tão pouco peso”. O Estado Social é acima de tudo um Estado de Princípios, de memória e de compromisso intergeracional, pelo que a sua necessária reforma visando a eficiência, a sustentabilidade, a repartição justa e equitativa de recursos, sendo urgente precisa de ser o resultado de amplo debate nacional para poder justamente ser mantido o compromisso sem o qual nada disto é sequer possível.
Na semana passada o jornal Expresso informava que 60% do emprego criado desde o final do 2º trimestre de 2013 (inicio da recuperação do emprego) foi criado pelo Estado e não pela iniciativa privada. Na verdade, este efeito no emprego não resultou de nada de essencial na economia mas antes de políticas públicas (do Estado, pagas com dinheiro dos contribuintes) que visam incentivar as empresas a criar emprego na esperança que no final do incentivo o emprego se mantenha na sua maioria. É essa a perspetiva social-democrata que sempre defendi. Consequentemente, é para mim incompreensível a atitude de menorização do Estado, dos seus funcionários e das suas funções essenciais. Uma coisa é perceber que a dimensão do Estado tem de se ajustar às capacidades do país, reforçando a sua eficácia e organização, reconhecendo que isso é uma necessidade premente que exige uma profunda reforma, outra é atribuir ao Estado, aos seus funcionários e aos seus serviços a responsabilidade de tudo o que se passa de errado no país.
Finalmente, vimos nas televisões as filas intermináveis dos cerca 8000 professores em fim de contrato que nos centros de emprego se procuravam inscrever para subsídio de desemprego. Qualquer profissional que termine um contrato deveria ter o seu processo a transitar imediatamente para o IEFP. É para que tudo isto seja mais simples que existem computadores, software, redes informáticas e serviços disponibilizados em rede. Qualquer necessidade de dados suplementares podia ser resolvida pela internet na ficha individual do cidadão. Nada disto faz sentido, não é necessário e é humilhante. Se o software não está preparado, então alguém não anda a cumprir o seu dever.
O Estado não é obrigado a arranjar colocação a ninguém. Mas é obrigado a respeitar os cidadãos, a tratá-los com a máxima consideração e a tentar minorar o seu sofrimento. A hipocrisia que observo, e que se manifesta desta forma fria, desrespeitosa e desligada dos problemas das pessoas, é um sinal da falência de tudo isto.
O cuidado que temos com os nossos recursos-humanos, a preocupação empenhada que manifestamos com as suas vidas, é diretamente proporcional ao sucesso que teremos todos como país. Quem Governa devia saber isso. Não sabe porque não tem, em muitos casos, a necessária experiência de vida.
 

(Publicado no Diário As Beiras de 5 de Setembro de 2014)

 


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