O Estado da Nação e do Regime

A situação a que chegamos é o resultado da degradação muito acentuada da política e da vida pública. O acesso a lugares de responsabilidade na gestão da coisa pública deveria ser alvo de rigoroso escrutínio público e estar somente acessível àqueles que demonstraram, na vida profissional, mas também na atividade na comunidade, serem os mais […]

  • 13:56 | Sexta-feira, 04 de Julho de 2014
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A situação a que chegamos é o resultado da degradação muito acentuada da política e da vida pública. O acesso a lugares de responsabilidade na gestão da coisa pública deveria ser alvo de rigoroso escrutínio público e estar somente acessível àqueles que demonstraram, na vida profissional, mas também na atividade na comunidade, serem os mais competentes e capazes para gerir o interesse comum. Hoje, sem que ninguém verdadeiramente se escandalize, chegamos ao ponto de permitir o acesso aos mais altos lugares do Estado e da Administração Pública a pessoas que nada demonstraram, sendo profissionais, isso sim, na “arte” de conspirar, alinhar por interesses particulares, regular toda a sua atuação tendo por base a sua circunstância pessoal, sendo por isso permeáveis a pressões e influências de todo o tipo de interesses.
O resultado de tudo isso só poderia ser aquele que observamos. O descrédito que neste momento está associado à atividade política e pública afasta o envolvimento daqueles que, por idealismo e entrega ao bem comum, se disponibilizariam a desempenhar funções por tempo limitado, voltando em seguida à sua vida profissional. O resultado é a confrangedora mediocridade, a inaceitável incompetência, a enorme falta de dignidade e a total ausência de respeito pelo Estado (que somos todos nós) que observamos, o que quando associado a um despudorado desinteresse pelo bem comum só poderia ter conduzido o país ao colapso. E desenganem-se, o colapso não é financeiro ou económico, isso é só o sintoma de uma profunda crise institucional e de regime. Promover a incompetência e a mediocridade, lutando ativamente para abater quem pensa e se atreve a ser livre (porque pensar livremente sempre foi a forma mais sublime de tudo colocar em causa e, portanto, sempre constituiu o maior perigo contra as verdades feitas, os homens providenciais e os caminhos únicos que dispensam debate), é aquilo em que se transformou a atividade política e é, na minha opinião, a razão fundamental que explica a nossa crónica ausência de desempenho como país. Explica também a ausência de políticas públicas equilibradas e centradas no desenvolvimento equilibrado do território, na capacidade de reinventar o futuro tendo por base o que formos capazes de desenvolver, de apostar naquilo que nos pode diferenciar, numa economia que tire partido das comunidades locais e considere isso como vantagem competitiva, em suma, políticas públicas que apostem nos portugueses e na sua capacidade e conhecimento e sejam capazes de um desígnio nacional mobilizador.
O nosso regime está centrado nos partidos políticos. Infelizmente as máquinas dos partidos estão cheias de pessoas que não têm vida fora dos partidos, não sendo capazes de nada de significativo sem a teia de influência associada aos partidos. E isso tornou-se no nosso maior problema organizativo como país, porque esta rede de influências e compromissos que nada têm de coletivo conduz às escolhas daqueles a quem entregamos a “gestão” do interesse comum. Mudar, talvez a palavra mais usada pelo marketing eleitoral, tem de significar credibilizar a política, dando-lhe de novo a solenidade e formalidade inerente à missão coletiva associada, dignificando quem se disponibiliza para servir os outros e compreende bem que a vida pública é passageira e há um retorno às origens que é garante da liberdade e coerência individual. Não ser capaz de perceber isto, e ter durante todo este tempo desmerecido a necessária educação desses valores, matou o propósito mais nobre da política que é mudar o mundo.
Quando anteontem ouvia o debate do Estado da Nação, e observava toda aquela irrelevância, imaginava que se lá estivesse era na credibilização da atividade política que colocava toda a minha atenção e propósito. E penso que diria a todos bem alto uma frase de Francisco Sá Carneiro: “Se eu não fosse capaz de ter outros interesses, outra vida, criar outras possibilidades, estava destruído como homem”. Triste, triste, é que eles não são capazes.

(Publicado no Diário As Beiras de 4 de Julho de 2014)


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Publicado em Opinião