Fortíssima mensagem política de Juncker

A declaração de Jean-Claude Juncker a pedir desculpa pelas maldades feitas aos povos da Grécia, de Portugal e da Irlanda é uma forte declaração política que não pode de forma alguma ser ignorada. Em primeiro lugar vejamos o que ele disse exatamente: reconheceu que faltava “legitimidade democrática” à troika e que essa instituição pecou “contra […]

  • 12:55 | Sábado, 21 de Fevereiro de 2015
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A declaração de Jean-Claude Juncker a pedir desculpa pelas maldades feitas aos povos da Grécia, de Portugal e da Irlanda é uma forte declaração política que não pode de forma alguma ser ignorada. Em primeiro lugar vejamos o que ele disse exatamente: reconheceu que faltava “legitimidade democrática” à troika e que essa instituição pecou “contra a dignidade dos cidadãos na Grécia, Portugal e muitas vezes na Irlanda também”, acrescentando ainda que era imprescindível “aprender as nossas lições do passado e não repetir os mesmos erros”.
Em segundo lugar devemos ter presente que Juncker foi Presidente durante oito anos do Eurogrupo, foi Primeiro-ministro do Luxemburgo e é atualmente o Presidente da Comissão Europeia, tendo substituído no cargo Durão Barroso. Deve ainda acrescentar-se que foi eleito recentemente com o apoio do PPE, com forte campanha em Portugal apoiada pelo PSD e pelo CDS.
Com esta crise das dívidas soberanas, Portugal perdeu uma enorme oportunidade de reforma interna e a possibilidade de ter contribuído de forma séria para a reforma da própria UE (União Europeia).
Três notas prévias: 1) Eu sou Social-Democrata (apesar de não filiado no PSD). Sou por isso de esquerda (não há sociais-democratas de direita, digo eu), ou mais corretamente de centro-esquerda. 2) Em termos relativos, e olhando para o lento mas contínuo movimento do atual PSD (“social-democrata” no nome) para a direita, sinto-me cada vez mais à esquerda do PSD. Corro o risco de, um dia desses, na perspetiva do PSD, ser classificado como estando longe à esquerda (evitei aqui uma palavra para não ser mal entendido); 3) Não tenho dos vários assuntos uma visão “religiosa” (baseada em cartilha), pelo que tento ver os vários pontos de vista e ser justo.
A Grécia, assim como Portugal, cometeu imensos erros e precisa de reformas sérias, ninguém defende o contrário, nem é isso que está em cima da mesa. Pelo menos do meu ponto de vista. O que eu considero errado, felizmente muitos outros partilham da mesma opinião (e receberam prémios Nobel nas especialidades de economia, são professores de economia, escrevem em jornais da especialidade, são Presidentes da Comissão Europeia, ex-Presidentes do Eurogrupo, e não são só conhecidos pela qualidade literária dos seus textos, mas essencialmente pelo rigor das suas análises, concordemos ou não com eles), é a forma como os programas de recuperação, ajustamento como é comum dizer-se, foram aplicados a esses países. Portugal é só um exemplo, menos grave que o grego, mas igualmente insustentável. A nossa dívida não para de crescer (ao contrário do que era previsto no programa de ajustamento e nas suas 11 revisões), e verdadeiramente (olhem o que diz a OCDE) só cerca de 36% das reformas prometidas foram executadas. O resto ficou por fazer, seja por incapacidade ou por desajuste do que estava proposto. Eu percebi a estratégia inicial de Pedro Passos Coelho, pensava eu. Recebemos um país de rastos, na bancarrota, com um programa de ajustamento mal pensado. Mas era um programa que tinha sido feito e assinado em nome de Portugal. Havia que cumprir e mostrar determinação e resultados. Compreendi isso, e se tivesse de decidir teria optado por esse caminho no início. Defendi-o, portanto. Mas depois de demonstrada a nossa determinação e vontade, Portugal deveria bater-se (se tivesse liderança) por uma mudança radical nos programas de ajustamento que estavam a prejudicar, de forma muito séria, os países como Portugal, a Grécia, Espanha, Irlanda, etc. Portugal tinha esse papel a desempenhar, mais uma vez se tivesse liderança, capacidade de fazer valer os seus pontos de vista e assim contribuir para programas justos, adaptados às realidades de cada país, justamente tendo em conta o seu ponto de partida, e fomentando verdadeiras reformas: luta à evasão fiscal, luta à corrupção, luta contra oligarquias, luta contra a utilização dos recursos do Estado para coisas privadas, etc. Algo de que beneficiaria também toda a Europa. Anda toda a gente preocupada com os 1.2 mil milhões emprestados por Portugal à Grécia, mas aparentemente esquecem os mais de 10 mil milhões ROUBADOS pela branca privada nacional, que estamos todos a pagar e que até melhores notícias não têm culpados: vejam-se os depoimentos feitos na comissão de inquérito da Assembleia da República sobre o BES – ninguém é culpado e ninguém sabia de nada. Portugal tinha um papel central a desempenhar na Europa, justamente por ter conseguido um relativo sucesso. Não o conseguiu desempenhar por deficiente liderança, tendo o processo sido iniciado pelo novo Governo grego. É esta mensagem política fortíssima que deixa Jean-Claude Juncker a todos os europeus, a propósito do caso grego. E deixa-a sabendo exatamente o que diz, pois tem o peso político e a capacidade de liderança suficiente para perceber o efeito que terá.
A Europa começou a mudar.

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Publicado em Opinião