Vote Leave – nacionalists up up!

Como é que uma população de 64 milhões e meio de habitantes se deixou tão cegamente conduzir à imolação, com base em mentiras, gloriosas promessas, vãs exaltações e doentios cinismos?

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  • 0:06 | Quarta-feira, 12 de Fevereiro de 2020
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A “Barata”, de Ian McEwan, explica muito sobre o Brexit. A rábula kafkiana de uma barata que se transforma em Jim Sams (ou Boris Johnson por mera e pura coincidência) dá-nos uma mordaz e cáustica visão de quanto no Reino Unido (?) se passou para conduzir à saída da UE.

De David Cameron, a Theresa May e Boris Johnson, uma década de primeiros ministros conservadores, democraticamente eleitos pelos ingleses, adjuvados pelos últimos 20 anos de trabalhistas promíscuos e controversos como Tony Blair, Gordon Brown, Ed Miliband e Jeremy Corbyn, polémicos uns, frouxos outros, conduziram, conjuntamente com uma política desnorteadamente titubeante da Europa e agressiva dos EUA de Trump, tutor de Boris, e de Putin, só aparentemente rival de Johnson, à emergência de todos os nacionalismos populistas, bem acolitados por uma poderosa campanha de comunicação social, envolvida até ao tutano em manipulações perversas e quase doentias.

Como é que uma população de 64 milhões e meio de habitantes se deixou tão cegamente conduzir à imolação, com base em mentiras, gloriosas promessas, vãs exaltações e doentios cinismos? Orquestradas manifestações desordeiras, catadupa de síntonos desacatos, o discurso da perturbação dos serviços essenciais, o impedimento “das pessoas decentes” tratarem das suas vidas, a ameaça terrorista (será que também foi orquestrada?), os emigrantes que chegaram para roubar o pão, o trabalho e a paz aos ingleses, o desemprego, as falências, os prá-frentistas e os regressistas, o vira-casaquismo e a perfídia política, resultaram num opíparo banquete para os esfaimados nacionalistas-faragistas, sem outro plano senão o plano de quem deles fez marionetas ao serviço de um inconfessável e dantesco projecto.


“– Pois. Qual é o plano?

— O senhor já o delineou. Se dermos qualquer coisa aos da linha dura, vão pedir mais. Se lhes dermos o que querem, cagam-nos em cima. Se o Projecto correr mal, vão culpar todos e mais algum. Vão culpá-lo sobretudo a si.

— E então?

— Está a haver uma mudança na opinião pública. Os grupos de reflexão estão a contar uma história diferente. O nosso responsável pelas sondagens telefonou ontem à noite a dar os resultados. As pessoas estão fartas. Têm cada vez mais medo do desconhecido. O voto delas está a causar-lhes ansiedade… ansiedade em relação ao que desencadearam.
— Já soube desses resultados – mentiu o primeiro-ministro. Era importante não perder a face.

— A questão é a seguinte: devíamos isolar os da linha dura. Uma moção de confiança, o caralho! Interrompemos os trabalhos parlamentares por uns meses. Deixamos os sacanas espantados. Ou, ainda melhor, mudamos de táctica. Uma reviravolta…

— A sério?

— Sim, estou a falar a sério. Tem de fazer uma reviravolta…

— Para o outro lado?

— Sim! O Parlamento vai ajoelhar-se aos seus pés. Vai ter uma maioria… à justa.– Mas a vontade do p…

— Eles que se fodam. São uns merdosos que acreditam em tudo. Isto é uma democracia parlamentar, e é o primeiro ministro que manda. Está tudo emperrado.”

Bom, descontos feitos à ficção de “a Barata”, provavelmente a realidade ultrapassou-a.

Como escreve McEwan no Expresso desta semana: “Johnson cumpriu a ambição mais inútil e masoquista jamais concebida na história destas ilhas.”

A barata que um dia entrara por uma fresta da porta do nº10 de Downing Street, cumprida a missão de que fora encarregada, deixando de ser primeiro ministro, volveu ao seu estado inicial de barata de esgoto, talvez a “periplaneta americana”, que habita em locais com muita gordura e matéria orgânica em abundância, como galerias de esgoto, bueiros e caixas de gordura, e dirigiu-se a Westminster, para o “banquete de heróis” onde, tanta história haveria para contar.

E como diz Boris, o Johnson: “chegou a altura de a GB tirar os óculos de Clark Kent, sair da cabina telefónica e vestir a capa do Super-Homem”, enquanto os farages do reino dividido, à socapa, com os trocos ainda da UE, brindam alarvemente com Moët & Chandon Dom Perignon Charles & Diana 1961, a 2.576 £ a garrafa, vindo de Épernay, no Marne francês.

Ps: O Sinn Féin, ex-braço político do IRA acaba de alcançar um resultado inesperado nas eleições irlandesas. Escócia e Gales … o que vem a seguir?

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