“Quem não esteve morto, cale-se…”

Hermann Broch (Áustria 1886- EUA 1951) na sua trilogia “Os Sonâmbulos”, vol. III “Huguenau ou o Realismo”, (1931) na deficiente tradução proposta pelas Edições de 70, (1989), escreve uma conversa entre o Dr. Flurschütz e Jaretzki a quem ajuda a pôr um braço artificial. Fala o segundo: “só quando estamos bêbados é que compreendemos tudo […]

  • 8:49 | Segunda-feira, 16 de Dezembro de 2013
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Hermann Broch (Áustria 1886- EUA 1951) na sua trilogia “Os Sonâmbulos”, vol. III “Huguenau ou o Realismo”, (1931) na deficiente tradução proposta pelas Edições de 70, (1989), escreve uma conversa entre o Dr. Flurschütz e Jaretzki a quem ajuda a pôr um braço artificial. Fala o segundo:
só quando estamos bêbados é que compreendemos tudo (…) dê-me qualquer outra embriaguez, seja qual for, uma embriaguez nova; tanto faz que seja a morfina como o patriotismo, ou o comunismo ou qualquer outra coisa que nos embriague por completo… Dê-me qualquer coisa que nos restitua a todos o sentimento de solidariedade, e abandonarei o vinho… de um dia para o outro.”
Esta obra, datada de 1931, retrata uma Europa onde a degradação de valores atingiu o esboroamento completo abrindo a senda ao surgimento de novos –ismos e à IIª Grande Guerra despoletada por Hitler.
Por vezes, olhando o Portugal de hoje e relendo Broch, encontro dúvidas e analogias intemporais. A política sinuosa e de uma falsidade sem limites dos Messias emergentes e a falta de valores individuais a nortearem a acção e conduta humana são os mais flagrantes.
O homem de hoje está com o seu tempo. Perdeu os valores, a palavra, a integridade, a verticalidade e age como uma vileza branqueada que vem de cima, sustenta-se na eterna “crise” como pretexto para a sua sinuosidade e, o único valor que ostenta e pelo qual luta afanoso é o da sua individualidade amoral.
As eras sem valores geram monstros e sociedades cínicas por eles capitaneadas. Estes produtos antinaturais são a negação de uma humanidade que levou milénios a construir-se e que não têm passado, olham um futuro feito do imediatismo e no presente só pensam em fugir para a frente, numa sobrevivência onde o colectivo apenas serve de “refúgio algures”.
Jaretzki busca no álcool o aturdimento. Único meio pelo qual aceita o real que lhe desestruturou todas as suas vincadas convicções.
Quando o homem cede aos subterfúgios de mera sobrevivência e para ser solidário e íntegro precisa de se “drogar”, que mundo podre será este este?
E a questão recoloca-a Broch:
Esta vida desfigurada terá ainda realidade? Esta realidade hipertrófica terá ainda vida? O gesto patético de uma disposição gigantesca remata-se com um encolher de ombros – eles não sabem por que morrem; privados de realidade, caem no vácuo, sem deixarem de estar cercados e de serem mortos por uma realidade que é bem deles, visto lhe concederem causalidade.”

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