Para tão estrepitoso espernear, mui gorda seria a mama…

  Estou farto de ouvir falar de “colégios privados”. Como eu, provavelmente, mais 98,5% de portugueses. Nada tenho contra os colégios privados. Até estudei num durante cinco anos, na remotíssima década de 70. Acho mesmo que eles têm todo o direito a existir, dando ao utente-consumidor uma mais lata e abrangente escolha. Entendo que os […]

  • 16:47 | Domingo, 29 de Maio de 2016
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Estou farto de ouvir falar de “colégios privados”. Como eu, provavelmente, mais 98,5% de portugueses.
Nada tenho contra os colégios privados. Até estudei num durante cinco anos, na remotíssima década de 70. Acho mesmo que eles têm todo o direito a existir, dando ao utente-consumidor uma mais lata e abrangente escolha.
Entendo que os colégios privados contratem os docentes para aí leccionaem – geralmente professores aposentados do ensino público; outros que não ingressaram por motivos vários no ensino oficial; alguns que fizeram essa opção por razões de ordem pessoal –; que lhes concedam salários condignos; que os exonerem quando eles frustram as expectativas; que os perpetuem quando eles derem cabal resposta aos requisitos pré-definidos.
Isso é um assunto de empresa privada e da sua direcção/administração. Ponto final.
Entendo ainda que tenham o direito a escolher os seus discentes; que não encorajem muito os alunos da Trémoa ou de Vilar da Carcódia; que prefiram alunos do núcleo urbano e que até se possam dar ao luxo de, em alguns casos, serem elitistas na selecção – um pouco como nalgumas IPSS’s, que geralmente preferem idosos não acamados, com mobilidade/autonomia e um confortável espólio no banco, a anciães tolhidos, dependentes e depauperados, do tipo daqueles que algumas famílias e ex-patrões abandonam nas urgências dos hospitais públicos, no fim de vida.
Percebo isso tudo. Percebo também contextualizadamente que Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, a 3 de Setembro de 1759 tenha expulsado os Jesuítas e lhes tenha confiscado os bens, alegando que a Companhia de Jesus “agia como um poder autónomo dentro do Estado português”. E tal, não obstante reconhecer as qualidades culturais da Ordem que teve notabilíssimos vultos, como e a título de exemplo, o Padre António Vieira, de quem sou um devotado leitor/admirador. Percebo reticentemente que Joaquim António de Aguiar tenha promulgado a lei de 30 de Maio de 1834 que extinguia “todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas seculares”, o que lhe valeu a alcunha de “Mata-Frades”. Pagou a floresta por algumas árvores…
Tenho dificuldades em perceber que a Igreja – carregando às espaldas lustrosas séculos de bons e maus hábitos; oportunismos vários e oportuníssimas intervenções; crimes hediondos como a Inquisição; colagens subservientes ao poder repressivo, como no caso do Estado Novo; e até subsídio-dependências diversas… seja a ancha proprietária de muitos meios de comunicação social “trombetas da Pátria”; a regente autocrática da maioria das IPSS’s pagas pelos contribuintes; a proprietária de muitos colégios privados portugueses, por intervenção directa ou de eventuais seitas ultramontanas, como a Opus Dei.
Entendo mal que esses apóstolos de Cristo pareçam apreciar e valorizar tanto os 30 dinheiros ou mesteres dos vendilhões expulsos do templo; a alarve cupidez; o escandaloso bem-estar e a intervenção política despudorada.
Entenderia bem que esses missionários do Senhor gostassem menos do vil metal; fossem alheios à ganância; tivessem um papel social relevante, interventivo e solidário em prol dos excluídos, dos desfavorecidos, dos carenciados, dos marginalizados e… deixassem os negócios aos negociantes e a política aos políticos, classe esta onde já há malandros que cheguem.
Vos estis sal terrae”, citou Vieira a S. Mateus (V, 13) no conceito predicável do seu Sermão de Santo António. Sendo o efeito do sal o de impedir a corrupção, assim argumenta ele: “Ou é porque o sal não salga, e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites.” E acrescenta: “O que se há-de fazer ao sal que não salga, Cristo o disse logo: Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil, para que seja pisado de todos.”
Alguém questiona a palavra deste douto missionário jesuíta?
O bispo de Viseu, D. António Alves Martins, franciscano que foi ministro do reino e morreu pobre no Paço do Fontelo, escreveu a este respeito: “Na minha diocese, quero padres para amar a Deus na pessoa do próximo; não quero jesuítas que vivam de explorar o próximo em nome de Deus.” Vamos lá a saber porquê…
Fui docente do ensino público durante 38 anos e uma dúzia deles professor e também dirigente do ensino superior privado. Creio saber do que falo. Julgo saber também que os colégios privados deveriam ser contribuintes exemplares com os seus impostos (como decerto são), em prol da justiça social e da igualdade de direitos, e nunca beneficiários ávidos do dinheiro dos contribuintes, para o digno exercício do seu ofício.
Porque só uma desmesurada avidez justifica e fundamenta o seu presente agir…
Parece um pouco como a rábula do “menino” que aos 18 anos, atingida a maioridade, se quer independente, mas… sem abdicar de ir aos sábados buscar a semanada a casa dos “papás”.
É bom crescer. Convém é fazê-lo na legítima e plena assunção dos integrais direitos e deveres de cidadania a cada um consignados.

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