Os chefes da matilha

É estranhamente normal que em actos conviviais de pessoas agregadas em torno de afinidades sociais, profissionais, familiares e etc., a benevolência desapareça e o discurso se inflame. Hoje, a pessoa mais aparentemente calma, pode ser um caldeirão ebuliente pronta a expirar todo o excesso de pressão que a comprime. O espaço da fala desprovido de […]

  • 0:43 | Terça-feira, 04 de Fevereiro de 2014
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É estranhamente normal que em actos conviviais de pessoas agregadas em torno de afinidades sociais, profissionais, familiares e etc., a benevolência desapareça e o discurso se inflame.
Hoje, a pessoa mais aparentemente calma, pode ser um caldeirão ebuliente pronta a expirar todo o excesso de pressão que a comprime.
O espaço da fala desprovido de agressividade começa a rarear. Mesmo na Escola se verifica uma radical alteração da postura respeitosa que o contexto pressupunha, até porque sendo o docente aquele que dá e o discente o que recebe, existiam nesta troca subentendidas atitudes distintas. Quando não se pede com respeito, quase se furta. Quando se dá com soberba, avilta-se.
A mesa, que durante tanto tempo foi um lugar de alimento do corpo, repouso, pausa, convergência e analogia – não amesendamos com desconhecidos ou inimigos – passou a ser um espaço animado pela calorosa troca de ideias.
Depois, fruto de outras circunstâncias, os ânimos outrora corteses e benevolentes, tendem a exacerbar-se com facilidade. A exaltação própria dos espíritos coléricos, esse falar alto, irrompe com uma frequência dantes inúsita. A mesa era território de tréguas e não se congeminavam revoluções após um bom jantar.
O Homem anda tenso e excessivamente comprimido. O espaço clássico da discussão, a tertúlia, tomou todos os lugares. O ser opinativo e assertivo parece indiciar os chefes da matilha. O tempo da discussão totalizou-se.
O Homem anda cheio de pressa – o tempo não é feito para ser perdido – de pressão, de frustração, de má disposição e de violência. Até já os políticos nos seus teatrais debates públicos perderam o ar trágico e o tom dramático que lhes concedia a distinção, a reverência, a capacidade de trucidar argumentos através de uma eloquência aguerrida. Agora, é só comédia. Ou pantomina.
Hoje, só na Igreja, entre o padre > pai > pater e os fiéis, rebanho de ovelhas cordatas em busca da salvação, parece sentir-se o respeito pelo discurso e/ou oratória. Mas tal é simples: é um discurso unidireccional, monologado, dentro do templo ou casa do Senhor, e se quando o pastor se inflama, vibra, repreende, verbera, ameaça e intimida, fá-lo em nome da divindade. E com essa o Homem de hoje já nem se dá ao trabalho de discutir e o Homem de ontem, na sua decrepitude e milenar aceitação, faz o acto de contrição e penitencia-se, mesmo sem ter pecado ou para ir pecar de seguida.
Os tempos geram os comportamentos. A revolta ferve nas palavras. Os que põem lenha no lume sabem, ou melhor, pressentem que a fogueira do cálido aconchego se pode tornar no mais destruidor incêndio.
“As palavras são instrumentos que cada um de nós tem a liberdade de aplicar ao uso que desejar, desde que explique as suas intenções.”       (Lévy-Strauss)

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Publicado em Editorial