O Super-Homem ignorante

  “– Se o olho é um mistério, então o ouvido é melhor esquecer. Experimenta só dizeres “cóclea” a alguém. Olham-te logo como se estivessem a dizer “quem é este tipo”? E todo este mundo está dentro do nosso próprio corpo. (…) — Como é que as pessoas são capazes de viver a vida inteira […]

  • 12:45 | Domingo, 05 de Outubro de 2014
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“– Se o olho é um mistério, então o ouvido é melhor esquecer. Experimenta só dizeres “cóclea” a alguém. Olham-te logo como se estivessem a dizer “quem é este tipo”? E todo este mundo está dentro do nosso próprio corpo.
(…)
— Como é que as pessoas são capazes de viver a vida inteira sem saber sequer os nomes das partes do seu corpo?”
 Don Delillo, “Ruído branco”, Sextante Editora
 
 
É extraordinário que o homem que tudo descobre (aquilo que à indústria é favorável e à sua evolução suficiente), que tudo parece saber, que se instala à vontade, com naturalidade no mundo da tecnologia mais sofisticada, em estatuto de cómodo usufrutuário, ignore tanto a respeito de si próprio.
O mesmo homem que é capaz de saber coisas fantásticas sobre os circuitos internos de um potentíssimo computador, ignora que, por exemplo, no olho, tem uma “lente” e um “meio vítreo”?
Que sabe o que são e como funcionam as “polies”, os pistões, os cilindros, as centralinas de um motor… e desconhece o nome das suas glândulas?
E etc…
Que ilações poderemos tirar deste elementar facto? Várias, mas uma extraordinariamente importante: o homem comum não se debruça sobre dados funcionais adquiridos. Aceita-os e não os explora. O nosso corpo e a nossa mente são umas grandes máquinas. Funcionam suficientemente bem para nos permitir aceder às funções que determinamos como necessárias e essenciais. Para quê então ir mais longe?
Talvez nos mantenhamos na Idade da Pedra no que concerne ao conhecimento do nosso imenso potencial. Por acomodação. Só nos preocupamos com o nosso organismo quando ele deixa de funcionar naturalmente. Quando nos dói ou nos torna incapazes de um movimento, um som, uma audição. Quando nele algo disfuncional nos gera sofrimento. Então, levamos a máquina à revisão, fazemos umas análises mais uns auxiliares de diagnóstico, encetamos uma dieta, fazemos uns exercícios, ingerimos uns fármacos e ficamos “novos” para mais uns anos ou quilómetros.
E porém, quão redutora é esta visão do nosso organismo e da nossa mente…
Surgem teorias fundadas na probabilidade do ser humano só utilizar 3% do seu potencial físico e cognitivo.
A ser verdade, isto torna-nos nuns Super-Homens mandriões, conformados e brutalmente ignorantes…

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Publicado em Editorial