Comer bem, em Sernancelhe…

  Porque um cidadão anda a modos que agoniado co’a politiquice, vamos cuidar do corpo… O meu saudoso avô, Hilário de Almeida Pereira, um brasileiro de Santos que encontrou no Sátão o seu axis mundi, tinha o prazer da mesa e nela sentado costumava dizer “À mesa não se envelhece”, que o mesmo é dizer […]

  • 12:37 | Sexta-feira, 18 de Agosto de 2017
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Porque um cidadão anda a modos que agoniado co’a politiquice, vamos cuidar do corpo…
O meu saudoso avô, Hilário de Almeida Pereira, um brasileiro de Santos que encontrou no Sátão o seu axis mundi, tinha o prazer da mesa e nela sentado costumava dizer “À mesa não se envelhece”, que o mesmo é dizer que ele, o atrevido maganão, não se sente a passar …
Provavelmente, herdei dele esse prazer que se amplia à medida que outros, com os anos, se vão perdendo.
Por isso, sempre que a vida o permite e nas minhas andarilhanças por esses carreirais afora, vou-me amesendar onde o “conduto” tem substância, proveito e arte.
Com frequência rumo a Sernancelhe, concelho de créditos firmados na gastronomia regional de gabarito ou, até mesmo, numa oferta de nível internacional.
Quem não foi ao Flora comer o cabrito assado não sabe quanto perde. Outrotanto, para quem não passou um serão no Turismo Rural do Freixinho, ao fim-de-semana, a braços com um buffet de alto gabarito.
Desta feita fui mais acima 3 quilómetros, à Sarzeda (estrada para Penedono), ao meu estimado amigo e “fin cordon bleuPedro Loureiro, da Casa do Avô.
Porque uns amigos que tive a felicidade de lá encontrar estavam a braços com uma encomendada cabidela de 5 apitos, por cortesia, chegou-nos de “amuse bouche” o presunto fatiado e uma travessinha da dita, que estava em todo o seu esplendor sápido, com o vinagre no fulcral ponto.
Seguiu-se-lhe um polvo de cortar a dedo, com as batatinhas alouradas na sertã e uma salada com legumes da horta, daqueles que ainda sabem mesmo ao que anunciam.
 
Deu-se de seguida razão ao leitão grelhado, tenro e saboroso –  quase “cochinillo” do Cândido de Segóvia – com um arroz de couve e feijão branco a ressumbrar fumegante do ardor da cozedura.
Rematou-se com uma “barriga de freira” dulcíssima, feita com ovos das pitas da casa, amarelinhos e com a canela a dar-lhe nuance ao tom. Como a “madeleine” de Proust, lembrei-me da Soror Mariana Alcoforado e do sortudo que deve ter sido o Cavaleiro de Chamilly, também dito Gabriel de Guilleragues, a fazer fé nas “Cartas Portuguesas”…
Uma boa garrafeira para os apreciadores. Um serviço simpático e diligente prestado pela Filipa e pela Beatriz e, a um homem apaziguado, só resta de remate louvar ao Altíssimo e fazer os 58 quilómetros calmos de regresso a Viseu, ciente de que o nosso interior se mantém firme nos bons costumes, nas pródigas tradições, na sabedora arte de bem cozinhar e, fundamentalmente, no bom rigor da preservação da sua identidade, ainda e bem, arredado dos francesismos para o olho ver e dos “USA hamburguers”, pré-esponjosos e pós-plastificados, para o palato arrenegar…
 
Nota: este texto não foi encomendado e o descrito foi pago pelo subscritor, nas boas práticas da Rua Direita.

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