A vulgarização da guerra

Sabemos que a capacidade do espectador, ouvinte, leitor se debruçar com interesse e empenho sobre as notícias, sobre o novo, é pouco demorada. Qualquer novidade, mesmo de grande impacto, se trivializa, se banaliza ao fim de uma ou duas semanas e ao fazê-lo, mediocriza o assunto tratado. Faz dele um “déjà vu” rotineiro anulando o grande choque mediático.

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  • 10:15 | Quarta-feira, 06 de Abril de 2022
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“As guerras não existem por motivos económicos ou passionais. É uma atitude de indivíduos abandonados à razão, incluindo a razão do seu mundo interior isolada do mundo exterior.”

Bessa-Luís, A. – Dicionário Imperfeito, Guimarães Editores, 2008.

 


Um mês e meio passado sobre a invasão da Ucrânia pelas tropas russas, naquilo que estes tomavam por, passe a expressão “trigo limpo”, ou “favas contadas”, a comunicação social deslocou-se em grande força – como se fora um exército – para os cenários da guerra a fim de transmitir ao mundo a realidade aí vivida.

 

 

É esse um dos seus mais fundamentais papéis. E fá-lo com imensos riscos. Convém termos presente que neste conflito já perderam a vida nove jornalistas, pela nobre missão de informar, fotografar, filmar.

Entretanto, no meio das maiores atrocidades cometidas pelas tropas invasoras, assassínio de inocentes civis, mulheres, idosos e crianças incluídas, violações, pilhagens, no epicentro apocalíptico, a informação que nos chega em catadupas vai-se vulgarizando. E ao vulgarizar-se, pela continuidade, omnipresente nas rotinas do nosso quotidiano, desvaloriza-se.

Sabemos que a capacidade do espectador, ouvinte, leitor se debruçar com interesse e empenho sobre as notícias, sobre o novo, é pouco demorada. Qualquer novidade, mesmo de grande impacto, se trivializa, se banaliza ao fim de uma ou duas semanas e ao fazê-lo, mediocriza o assunto tratado. Faz dele um “déjà vu” rotineiro anulando o grande choque mediático.

Neste âmbito, a imagem tem um papel fundamental, fazendo jus à sabedoria chinesa “Uma imagem vale mais que mil palavras”. E porém, mesmo as imagens da destruição de cidades inteiras, de rostos em indizível sofrimento, de crianças em assombrado sofrimento, de valas comuns com cadáveres em sacos negros e de mortos com as mãos atadas atrás das costas, num crescendo da bestialidade humana, em pleno século XXI, aos poucos deixam de ser impressionantes porque todos nós, pela reiteração, vamos perdendo a capacidade de nos impressionarmos.

Tal acontece, ademais, inquinado com o ruído discursivo dos políticos, cheios de boas intenções (o Inferno está cheio delas), mesmo e quando, como Macron estavam em queda de popularidade para as presidenciais, às portas do acto eleitoral de 10 de Abril, e o seu papel super interventivo no conflito o fez subir nas intenções de voto, ou como Boris Johnson, no Reino Unido, afectado pelo escândalo das festas em plena pandemia, no n º10 de Downing Street, acusado por todos os lados, com pedidos de demissão, anulou tudo e aumentou a sua popularidade com a postura assumida contra os actos de Putin, surfando o “messianismo mediático”.

A guerra é também uma oportunidade para muitos, convenhamos. E não são só estes…

 

(Fotos DR)

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Publicado em Editorial