A Hora da Dor

O compadre Zacarias que é um consabido céptico de quase tudo, por ciência própria e descrença natural assumida, dizia-me com toda a segurança do seu asseado radicalismo que a “minha dor” só podia ter origem no mau-olhado, aceitando as variantes da macumba, banto, candomblé e umbanda, com assertividade da praga bem administrada. Como o Zacarias […]

  • 11:12 | Quarta-feira, 25 de Novembro de 2015
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O compadre Zacarias que é um consabido céptico de quase tudo, por ciência própria e descrença natural assumida, dizia-me com toda a segurança do seu asseado radicalismo que a “minha dor” só podia ter origem no mau-olhado, aceitando as variantes da macumba, banto, candomblé e umbanda, com assertividade da praga bem administrada.
Como o Zacarias se naturalizou do “contra” há mais ou menos 40 anos, nós, os amigos mais próximos fomo-nos habituando à sua idiossincrasia dominante, como desde sempre nos acostumámos à ideia de que após o erguer do dia tomba a noute e ao inverno se segue a primavera.
O compadre Zacarias, só por ilustrativo exemplo, foi anti-spinolista por detestar aquele monóculo queirosiano; foi anti-eanista por achar a sua postura de “cabo-de-vassoura”; foi anti-soarista por detestar betinhos de colégios modernos; foi anti-guterrista por achar que aquele ar de complacente bondade não passava de “sornice”; foi anti-sampaista por fazer muita fé no aforismo: “Da pata a parda, da pita a preta, da puta a sarda”. Só conseguiu ser pró-cavaquista por entender que nada de novo havia naqueles neurónios.
Mas queria eu escrever acerca da “hora da dor”…
Fruto do mau-olhado, caruncho ou uma vulgar espondilartrite axial precoce (Renata dixit), o certo é que me adregou a dar uma dor na região nadegueira direita que me trás derreadinho de todo. E se durante o dia ainda – apesar de claudicante como mula velha – me vou arrastando daqui para ali num desconchavado “24/26”, à noute, a dor bate-me à porta constante e pontual por volta das 03H00 da madrugada. E porque sou de muitos bons-hábitos… não me consigo habituar a ela. Cada reviravolta na cama é um arrepio doloroso, tenebroso, uma manobra de alto perigo. A ausência de posição indolor é um incerto acto de certo risco e muitos ais & uis. O sono, já de si escasso, sumiu-se arredio de vez. Enfim, como nunca dei para o peditório masoquista, não encontro comprazimento nem prazer algum neste meu tão novíssimo estado. Antes ministro dos gloriosos 11 dias!
Vai uma pomada? Vai. Toma-se um anti-inflamatório? Até dois. Marcha um analgésico? Já cá devia estar…
A dor – o pathos, agonia ou sofrimento – não é coisa só de gregos. Nem tão pouco exclusiva de troianos…
Aconselhado pelo Zacarias devia ir ao jeitoso da Corga, à bruxa da Cagunça ou ao endireita do Podão. Amante da fotografia, decidi-me após muita ponderação por uns Raios-x ao esqueleto que me deram uma sacra-ilíaca torta como um arrocho, talvez por mor dos muitos tombos na vida, por um ADN originário de Aveiro (cagaréu ou ceboleiro) de osso fraco, ou por uma pré-decrepitude irreversível. A escolha é fácil: nenhuma das hipóteses vale um tostão furado!
A dor é algo de contra-natura à qual nem a custo do rilhar dos dentes nos habituamos. Por mais estóicos que pretendamos ser ou mostrar-nos… é por isso que são 03H55 e estou – de lado – para aqui a rabiscar estas linhas à mão, pois até o meu mais-que-tudo-tablet se solidarizou comigo numa embolia fulminante.
Mas hoje, julgo que sou de meu natural um crente determinado, há-de haver para aí uns 750 mil portugueses com um sono agitado. E não há-de ser por análoga patologia à descrita nem por empatia co’a ciática…
Saia mais um voltaren, sff!
(foto DR)

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Publicado em Editorial