Viseu. Ruralidades

(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano) 3 – PONTE DA AZENHA. LAVADEIRAS   Há trechos no meu Pavia. Duma tão doce poesia, Que a gente, tardes inteiras, Ali vai fazer namoro Às pedras do lavadouro Ouvindo o mimoso coro Das formosas lavadeiras […]

  • 18:21 | Quinta-feira, 16 de Janeiro de 2014
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(Textos ilustrativos de um antigo viver rural nas margens de Viseu ilustrados com imagens de Arquivo de Foto Germano)

3 – PONTE DA AZENHA. LAVADEIRAS

 


Há trechos no meu Pavia.

Duma tão doce poesia,

Que a gente, tardes inteiras,

Ali vai fazer namoro

Às pedras do lavadouro

Ouvindo o mimoso coro

Das formosas lavadeiras

             José Branquinho

 

José de Almeida e Silva (1864-1945) já havia pintado, em 1914, um quadro a óleo de título “Azenha do Pavia”, hoje pertença do Museu de Grão Vasco, ilustrando um bucólico momento de uma tarde de verão em começo, a ajuizar pelo renque de sabugueiros floridos junto ao casario da velha azenha que por muitos anos laborou na margem do rio, ao sítio da Balsa, onde se levantara de novo, no século XVIII, o poderoso arco de uma ponte de boa silharia. E a seu jeito o pintor o animara com a alegre presença de algumas lavadeiras que, no açude levantado a montante se resguardam do sol com o servil chapéu de palha ou o garrido lenço de chita enquanto batem a roupa no lavadouro ou a estendem a corar sobre os juncos onde as rãs quase nunca param de cantar.

O fotógrafo que veio anos mais tarde reparou nas duas mulheres, mãe e filha talvez, não sabemos, e colhe de surpresa, ao contrário do retórico apontamento do pintor, os gestos das tranquilas lavadeiras que enxaguam, na margem do rio, a jusante, as últimas peças de uma trouxa já estendida ao sol no coradoiro.

Era assim, no rio, há cem anos. Que há cinquenta, creio, ainda era assim. As mulheres desciam da cidade, algumas madrugavam nos povos vizinhos e vinham, estas como as outras, para cumprir a arregimentada tarefa do lavar da roupa de uma abonada burguesia que habitava as solenes mansões recentemente edificadas no coração refeito da urbe antiga e de uma residual e caprichosa fidalguia que estanciava por alguns dos últimos solares que resistiam à ruína.

Tinham seu pouso certo, as lavadeiras, na correnteza do rio, do Pontão da Ribeira aos açudes da Balsa, junto à Ponte da Azenha, mas era ali na Ribeira, descendo até à Ponte de Pau, que elas demarcavam o mais propício lugar com as pedras do lavadouro que ajeitavam no desvão da água quando não preferiam a vastidão dos tanques que o Senado da Câmara construíra a jusante dos olhais da velha ponte. E por ali se demoravam dobradas sobre a corrente, os joelhos mal resguardados da humidade pelo tabuado da joelheira, até que a alargada selha de Folha de Flandres ficasse vazia, até que a roupa corasse e voltasse a enxaguar, até que o sol a secasse na suspensão festiva do cordame. E as mãos cansadas dobrando por fim os lençóis de linho, as roupas de uma não desvelada intimidade, toalhas de mesa e peças de enxoval. Um filho ao colo, um filho pela mão, os passos marcados no subir da calçada e o cheiro a sol que as lavadeiras deixavam à porta de um lar. E a roupa delas que ficara por lavar!… E o inútil discurso do poeta!…

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