O pórtico do Fontelo

O Pórtico do Fontelo, ao primeiro olhar um enigmático portal escancarado sobre a extensão de um caminho que hoje temos de inventar em seu começo e que pousa sobre a orla do majestático Parque do Fontelo, esse pulmão verde da cintura urbana de Viseu, não é cousa menor dentre a emblemática da cidade monumental. O […]

  • 22:40 | Quarta-feira, 19 de Julho de 2017
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O Pórtico do Fontelo, ao primeiro olhar um enigmático portal escancarado sobre a extensão de um caminho que hoje temos de inventar em seu começo e que pousa sobre a orla do majestático Parque do Fontelo, esse pulmão verde da cintura urbana de Viseu, não é cousa menor dentre a emblemática da cidade monumental.

O Padre Pedro Augusto Ferreira que deu continuação ao Portugal Antigo e Moderno de Pinho Leal escreve de forma muito chã no volume XII da obra citada dizendo que O portão é espaçoso, mas pouco elegante e rectangular, (1) atributos que verdadeiramente o não fazem desmerecer da pátine que reveste há mais de 450 anos aquelas pedras levantadas à boca da avenida sombreada de carvalhos que conduzia ao antigo Paço dos senhores bispos erguido mais longe.

A primeira lição do monumento escreveu-a Botelho Pereira em 1630 no manuscrito dos seus Diálogos Morais e Políticos, menos de 100 anos depois da sua edificação que acontecia em 1565 a instâncias do Bispo D. Gonçalo Pinheiro que acabara de cercar a Quinta episcopal por si acrescentada em terras e casario e onde os bispos podiam agora demorar-se nos mais intimistas aposentos do andar nobre do seu Paço. Da cruz que encima o poderoso travejamento do portal retirou, à época, o nome de Porta da Cruz, afirma o mesmo cronista. (2)


Sob a cruz faz o bispo construtor inscrever abonada legenda, em latim, versos, declara Botelho Pereira, cuja tradução apresentada é a do erudito latinista Aires Ferreira do Couto no fecundo texto que escreveu acerca da história do Fontelo e diz assim:

Estes pórticos, com o sinal demonstrativo da nossa salvação, mandou-os construir o bispo Gonçalo Pinheiro para hospício e benefício dos pobres e para uso do povo, no ano de 1565. (3)

  1. Gonçalo Pinheiro morre passados menos de dois anos e não teve sequência o projecto enunciado do estabelecimento de um hospício para pobres que, é hipótese colocada, conviveria, em vizinhança, com a mais solene residência, por mais que temporária, dos prelados, logo depois esquecidos do teor da mensagem que na pedra ficara escrita.

Não foi linear o trajecto que ao longo do tempo fizeram estes abonados Paços onde os bispos apenas demoraram, com residência permanente, após a ocupação do seu Paço dos Três Escalões, a espaldas da Catedral, em 1810, pelas tropas portuguesas e aliadas que resistiam aos invasores franceses. Mas a demora dos bispos, aqui, ao Fontelo, não foi longa, desde a tal data em que o bispo D. Francisco Monteiro Pereira de Azevedo cedera o edifício do Colégio, já que cem anos depois, implantada a República, o último bispo residente, D. António Alves Ferreira o deixava a caminho do exílio. Era o ano de 1912, havia sido promulgado o Decreto-lei que estabelecia a “separação do Estado das Igrejas”.

A Carreira dos Carvalhos permanecia resguardada pela sombra das árvores centenares que também iam fenecendo, gastas de idade, o Pórtico solene permanecia aberto, particularmente nesse longo tempo em que o habitou D. António Alves Martins, o bispo generoso e combativo que ali morre, sereno, com o seu tempo cumprido, e pobre.

Fora ele quem autorizara a Câmara de Viseu, em 1876, a fazer recuar nove metros e meio o dito portal para tornar mais ampla e suave a entrada e mais ampla a rua contígua; nada porém sofreu o dito pórtico, porque a mudança foi feita com todo o carinho, (4) acrescenta o autor do Dicionário citado.

Durante muitos anos permaneceu o velho portal à boca dessa avenida histórica e centenar provavelmente inspiradora de alguns dos poemas de José Branquinho, cativante memória se guardando do mesmo através da memorável fotografia onde se vê sombreado por árvore quase tão velha como ele, até que outras exigências urbanísticas o transferiram mais uma vez de seu pouso garantindo-lhe uma presença de memória como se objecto de museu tivesse passado a ser, iluminado sempre pela lição da história que ainda se cumpre nesse dia a dia em que nós, reverentes, o olhamos.

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