O Zé Guarda Rios de Soutosa

Nunca tive a arte de distinguir de quem eram as vacas que passavam rente à nossa casa, mas jamais deixarei de morrer o tilintar desses sinos.

  • 22:07 | Terça-feira, 20 de Setembro de 2016
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Soutosa, dia 18 de Setembro 2016

No Domingo passámos pela Soutosa, aldeia pequena na trama agreste das Terras do Demo, mas um dos lugares mais insuperáveis da minha geografia sentimental.

Estive tanto tempo para regressar a este sítio e nos dois últimos anos consegui finalmente voltar a sublinhar a sua toponímia. Comoveu-me a ruína das casas e a ausência do som das palavras nas suas ruas. Nada, para além do remanso da água das fontes e o cantar do passaredo nas velhas tílias.


Bati ao ferrolho da casa de Zé Guarda Rios, um amigo de 90 anos de idade que nos recebeu com um sorriso beirão e um baú de histórias que não deixa de poetizar. Ouvi quase sem falar e, confesso, contive a emoção, por vezes.

A certa altura falou-me de uma coisa tão bonita, e que foi confirmada pelo seu filho mais novo: que quando a aldeia era ruidosa e vivida, o badalo e os pequeninos sinos permitiam distinguir as vacas e, assim, reconhecer os seus donos, quando na alvorada passavam pelo empedrado granítico a caminho dos lameiros. E esse som irrompeu na minha memória como uma das mais amorosas melodias que soube capturar.

Nunca tive a arte de distinguir de quem eram as vacas que passavam rente à nossa casa, mas jamais deixarei de morrer o tilintar desses sinos.

E no Domingo voltei a senti-los de olhos fechados no meio de uma aldeia caída em ruína mas que resiste nas histórias de um homem que soube cuidar das margens de um rio e por isso ficou para sempre como o nosso querido Zé Guarda Rios.

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Publicado em Cultura