“Aninhas”

Mas, na voluptuosidade de um mundo rural prenhe de silvanas apetecíveis e faunos pecaminosos, surge, de Lamego, uma bi-viúva rica, dantes Alexandrina dos Prazeres, com loja de cestos na Rua Detrás da Sé, depois Dona Alexandrina Collel Tonda Cordeiro, senhora da Quinta dos Ólimos, por passamento de seu derradeiro cônjuge.

  • 15:55 | Quarta-feira, 22 de Junho de 2022
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Dei comigo a reler “Aninhas”, in “As Três Mulheres de Sansão”, na sua 1ª ed. de 32.

Deliciei-me. Com o enredo da novela e com a alegoria que lhe sobrejaz, tendo como protagonista, o urbano Dr. Amadeu (lembro que em “Cinco Réis de Gente”, 1ª tábua do políptico autobiográfico, publicado em 1948, Aquilino chama ao menino do Carregal, —  “Lombas de Baixo” —  Amadeu Magalhães). Daqui a inferirmos que este dr. Amadeu, de 1932, seria já um alter ego de Aquilino no seu retorno à natureza, saciado da cidade. Como, aliás, sabiamente me lembrou o Senhor Engenheiro Aquilino Machado da intenção do Escritor em “retomar o tema da cidade e as serras sem os arredondamentos de arestas queirozianos”.

Mas, na voluptuosidade de um mundo rural prenhe de silvanas apetecíveis e faunos pecaminosos, surge, de Lamego, uma bi-viúva rica, dantes Alexandrina dos Prazeres, com loja de cestos na Rua Detrás da Sé, depois Dona Alexandrina Collel Tonda Cordeiro, senhora da Quinta dos Ólimos, por passamento de seu derradeiro cônjuge.


Vem como uma filha, a Candidinha, que corre seus adolescentes e tentadores anos por campos e bosques catando faunos… a madre, em busca de terceiro arrimo para o Outono próximo.

Permita-se-me a descrição da mãe, pelo que tem de irónico, mordaz, fiel retrato de uma burguesia ascendente, provinciana, finissecular, de teres e rusticidade pródigas:

“Num aprumo de madre-abadessa em dias de lausperene, D. Alexandrina arrasta o seu grande chaile de seda preta. Toda ela traja de preto, o que lhe põe em realce a tez, mescla especiosa, vermelho-branco, de maracotão. É uma senhora nutrida e bem conservada, dando um pouco a impressão de pata, que medrasse fechada numa tulha, pelo que há de desprendido e lento no seu andar e pela hesitação dos olhos. Tem ao mesmo tempo um ar de tia andaluza, ainda no viço, o que lhe atenua o meneio difícil e a redundância das carnes. O abdómen é que exorbita um tanto da sua linha cheia de basílica; é abdómen que trai o povo, com fome e com indigestões de ervanço e bola-milha, de permeio; ventre testemunhal da Alexandrina das canastras. Nada feia, luz-lhe no olho esquerdo uma fugacidade instantânea de estrabismo; confunde-se, no entanto, com o fulgor doirado da sua pupila de fera. Possui lindos e fartos cabelos cor de chama, que enrola para a nuca em áspide, e boca divina; de frescos, os seus lábios lembram as margens floridas duma fonte. Eles, o toucado sumptuoso, a tonalidade rara da pele, os ademanes de luxúria tornam-na quási apetecível. Em duas palavras, uma Susana, se casta não sei, mas formosa, que varreu os restos de juízo a um velho, rico de bens e de pergaminhos…”.

Bom, agora, se querem mais, por favor, leiam a obra e deliciem-se com o génio e a vitalidade de Aquilino Ribeiro…

 

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