A dama do lago

Tirei apenas uma fotografia. Está aqui à minha frente. Na altura não me aproximei, nem sequer sorri quando ela passou ao meu lado.

  • 11:34 | Sexta-feira, 31 de Janeiro de 2014
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Já tenho esta fotografia guardada há uns meses. Ficou aqui, mesmo à minha frente no ambiente de trabalho. Esperava escrever mais um texto sobre viagens e memórias a partir dela. E escrevi. E deitei fora. Reescrevi. Voltei a pôr de lado. E tento esquecer o que escrevi para poder partir do zero. Mas as minhas ideias são circulares. Por vezes ensaiam um movimento elíptico ou espiralado, mas voltam ao mesmo ponto de partida, presas de um anzol asfixiante e teimoso.

A verdade é que aquele não era o castelo que eu queria ver. Não tinha musgo dourado nas ameias, nem as paredes eram de pedra crua e fria, alcandoradas em rochas com giestas e mimosas. Suponho que ela pensasse o mesmo ou outra coisa à sua medida igualmente menos favorável. Quando entrou, comigo atrás dela, olhou em volta e sentou-se. Puxou o filho para o seu lado, e ficou quieta enquanto o guia explicava a história da capela real do castelo de Stirling. Li o flyer e também esperei, sem vontade de fotografar o que quer que fosse e com uma vontade imensa de sair dali. Mas ela… ela estava no sítio certo, com a luz certa e eu estava miraculosamente atenta – sobre a minha crónica falta de atenção tenho de escrever outro dia.

Tirei apenas uma fotografia. Está aqui à minha frente. Na altura não me aproximei, nem sequer sorri quando ela passou ao meu lado. Mesmo a fotografia foi tirada rapidamente sem me fazer notada. Mas agora não hesito, com ou sem metalepses e rosas púrpuras. Aproximei-me e perguntei-lhe que fazes aqui nas terras de William Wallace e de Robert, the Bruce? Talvez não devesse ter perguntado assim… ela ficaria logo a saber muito mais sobre mim do que eu sobre ela. Saberia das minhas leituras de Walter Scott, do meu fascínio pela lady of the lake, por castelos e lagos, pelos montes e vales das Highlands… das minhas alegrias e faltas dela. Mas perguntei. Pousou em mim demoradamente os olhos escuros e ignorou-me. Ou eu já não lhe ouvi a resposta, demasiado distanciada no tempo e no espaço.


Terminou a visita. Ela levantou-se com relutância e arrastou o filho pelo resto do castelo. Perdi a vontade de sair atrás deles. Sentei-me entre os arcos de luz, no mesmo lugar. Agora havia silêncio e o espaço pareceu-me que se recolhia em si mesmo, à procura do sossego disperso. Pensei fazer o mesmo mas naquela altura não me apeteceu analisar razões para cada gesto meu, entre o riso contido e a melancolia, nem nada. Apenas encostei ligeiramente a cabeça à parede, esperando que a luz me aquecesse aquele súbito frio.

Retomo a fotografia e já não lhe encontro o mistério que antes tinha. Talvez não valesse a pena ter escrito. Tirei os óculos, levantei-me, peguei na caneca do chá e fui à janela ver a noite. Os candeeiros desenhavam arcos de luz no passeio.

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