As esquerdas

Hoje, cada uma das partes anda a remar para o seu lado, sem meios nem vontade de chegar a uma plataforma de entendimento. As diversas tendências, como que cacarejando num galinheiro, em esquizofrenia escandalosa.

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    • 11:30 | Terça-feira, 23 de Dezembro de 2025
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    Quando falo da esquerda, falo de um mosaico de peças rivais, de estranhos formatos e diferentes matizes. Umas a encaixarem e outras desavindas.

    Uma garrida toalha de mesa minhota. Um modelo que tem afastado os que, num espasmo de fé, nela depositaram confiança, em momentos tão irrepetíveis, quão idílicos. Uma esquerda sonhada, que fosse capaz de construir um futuro que não seja o avesso do passado, competente para fazer pontes.

    Hoje, cada uma das partes anda a remar para o seu lado, sem meios nem vontade de chegar a uma plataforma de entendimento. As diversas tendências, como que cacarejando num galinheiro, em esquizofrenia escandalosa.


    Tanta é a desordem e a reserva, que já nem sei se lamente ou se compreenda estes estrambólicos refogados. Uma esquerda assim desilude. A esquerda que fecha portas não vale a pena. A esquerda exemplar e inspiradora não pode ser a soma das metades.

    Nos momentos críticos, a esquerda, por vezes, enreda-se em teias de aranha e adopta soluções redondas, isto é, não têm ponta por onde se pegue.

    Estará a esquerda à altura dos novos tempos, que exigem bom senso e atenção prioritária ao interesse nacional? Estará a esquerda disponível para acabar com as quintinhas, os espaços santos, o caminho suicidário que escolheu? E para derrubar os muros sagrados? Estará a esquerda disponível para se unir, numa conjuntura muito difícil? Estará a esquerda disponível para ver a estreiteza do caminho que tem pela frente e que, a não ser invertida a tendência, caminhará para um afunilamento progressivo? Para lá das diferenças ideológicas, naturais, saudáveis e lubrificadoras do essencial democrático, estará a esquerda consciente de que bastará a unidade, mesmo que circunstancial, para que um seu representante esteja presente na segunda volta, com seríissimas hipóteses de vencer o sufrágio?

    A esquerda continuará insensível e cega, ao ponto de repetir os erros crassos e grosseiros de 2006, com Mário Soares, Manuel Alegre, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã, de 2011, com o chumbo do PEC IV, e de 2016, com Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém, Marisa Matias e Edgar Silva?

    Todos entretidos num teatrinho de fantoches, a impingirem-nos o sonho de poderiam ganhar, uma hipérbole risível. Somem os votos e as dinâmicas expectáveis que a unidade amplia. António Filipe? Catarina Martins? Jorge Pinto? António José Seguro? Juntem-se os quatro, olhem para a fria e demolidora aritmética e pensem em Portugal. Não se triturem, não se calquem, não se esmaguem. Larguem os umbigos e deixem para outros tempos, breves, por certo, a marcação dos respectivos territórios de afirmação das muito suas ideologias.

    O anedótico de tudo isto, deste roto esfrangalhar, é que todos – todos, menos um – sabem que não têm a mínima hipótese de passar à segunda volta, nem que o perú cante na noite de Natal. E ainda assim, confundindo política com futebol, misturando esférico com boletim de voto, insistem no discurso ridículo de que é possível.

    Quando é que a esquerda, imitando os conservadores, se junta em momentos que exigem unidade? Estará a esquerda consciente de que o cenário mais provável a 18 de Janeiro é ficar afastada 30 anos da mais alta magistratura da nação? E que três décadas é tempo demasiado?

    Humildemente, penso que a continuar assim, a esquerda, nos próximos tempos, mais do que pensar em vencer, deverá preocupar-se em resistir.
    O que se aproxima é um país dominado pela direita: o parlamento, o governo, as regiões autónomas, a maioria dos municípios, a maioria das freguesias. E, se não soarem as trombetas e os exércitos não saírem para o campo de batalha, também a presidência da República.

    Não é que o cenário seja irregular, imoral ou ilegal. Mas pode tornar-se perigoso. E bem escusado.

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