O tempo dos mochos

À tesourada encarniçada, se for preciso. Portugal, ou quem por ele decide, prefere uma sociedade civil arrumadinha, amorfa e desinteressante, alérgica ao empreendedorismo e à produção de riqueza. Portugal, ou quem por ele arauta, prefere quem não o perturbe, não crie estorvos nem empecilhos, seja manso, síntono e capado.

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  • 14:11 | Segunda-feira, 14 de Julho de 2025
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Neste estranho tempo, em que os mochos são o símbolo da sabedoria, apenas pela circunstância fáctica de terem os olhos muito abertos e estarem em silêncio, enquanto o muro gira à sua volta, e em que os rebanhos insistem em acreditar nas promessas fáceis dos pastores que desfilam garbosos nos palcos da hipocrisia, pensar, custa, e tem um preço, por vezes, alto.

Pensar pela própria cabeça, ter opinião própria, seguir um rumo, sem esperar nada de volta – vantagem ou benesse, lugarzinho ou precedência, emprego ou influência -, é um acto revolucionário.

Caminhar, indiferente ao remexer dos lábios surdos, bisbilhoteiros e escrutinadores, e sem deixar rugas no caminho, é um acto de independência.


Talvez por ser assim, ser há tanto tempo assim, repetindo vícios velhos e intumescidos, Portugal, nas suas múltiplas dimensões, não se livra das arrastadas e melancólicas liturgias e da sacramentalidade das celebrações pagãs.

Cioso das tradições, ciente das obrigações, reverente e obediente, pálido e submisso, Portugal segue, ao ritmo lento e cadenciado do badalo, que anima o cansado caminhar processional. Nem a União Europeia o libertou da mesquinhez da pedinchice, de mão estendida, nas esquinas de Bruxelas.

Com bênçãos e alquimias, pregões e cautelas, amarrecado por defeito, e trôpego por condição, não sai do trilho, não arrisca nos cruzamentos, não se desvia da monotonia das concordâncias, esse deserto letal, onde o sol é tirano, e só medram cactos e dunas areadas.

Com espírito fatalista, definha sob a asa do Estado bafiento e protector, o sinistro obreiro das mentalidades, o guardião das normalidades.

Por trocos e sobras, Portugal verga-se, perante os tronos e os altares, e valoriza mais quem segue e reza do que quem, arrostando censuras, penas e prejuízos, ajuiza injustiças e se indigna com privilégios.

Vive ajoelhado e de mãos postas, lendo por cartilhas e bulas amarelecidas do tempo.

Na sua temperança, afiança-se a coser as bainhas e ao giz e às tesouras com que se talham os engomados fatos de boa fazenda.

À tesourada encarniçada, se for preciso. Portugal, ou quem por ele decide, prefere uma sociedade civil arrumadinha, amorfa e desinteressante, alérgica ao empreendedorismo e à produção de riqueza. Portugal, ou quem por ele arauta, prefere quem não o perturbe, não crie estorvos nem empecilhos, seja manso, síntono e capado.

Por isso, quem nunca teve emprego, se ajeita tão facilmente à canga e aos aguilhões com que se pica os bois. Desses, a quem faltando a nomeação e o cargo, logo se queixa o bem-estar e as férias no Verão, não se espere iniciativa, rasgo, nem contributo de mérito, apenas mendicidade, subserviência e cabeça baixa.

Não é que pensar seja proibido pensar e opinar, mas incomoda, e o que incomoda não merece elogios nem sublinhados, não garante estabilidade, nem futuro tranquilo. Pensar, faz ondas e traz vento. E pode ferir o sonho cândido e manso do bom português: pão na mesa, filhos criados, muita saúde e vaga no lar da Misericórdia.

Para uma vidinha sossegada, convém dispensar sal na ferida e gasolina na frigideira. É a prudência a dizê-lo.

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